Certa vez, numa aula universitária, aquando do início da invasão da Ucrânia pela Federação Russa, a minha professora de Teoria das Relações Internacionais partilhou um provérbio chinês muito conhecido e que se poderia aplicar sobre os tempos actuais: “Que vivas em tempos interessantes”. O que ela não nos contou foi que este provérbio trazia em si uma “maldição” dado que, teoricamente, quando alguém profere esta frase é sempre no sentido de que a pessoa que a recebe viva tempos tumultuosas. E a verdade é que os vivemos.
Quem lê e ouve as notícias que nos chegam dos quatro cantos do mundo, parece que estamos dentro de uma caixa bomba-relógio que pode explodir a qualquer momento, destruindo tudo o que se encontra ao seu redor.
Nos debates que antecipam as eleições legislativas em Portugal, marcadas para 10 de março, apesar de se falarem necessariamente sobre as políticas, maiorias parlamentares e possíveis governos que possam criar e aprovar medidas que consigam gerir da melhor forma possível a situação económica, política e social do nosso país, estava extremamente expectante sobre o que os candidatos diriam sobre a situação internacional em que nos encontramos.
Para minha surpresa, parece que os candidatos às eleições legislativas não acreditam que vivemos tempos suficientemente interessantes a nível internacional para que nos debates e nas suas campanhas eleitorais se possa discutir como Portugal se deve posicionar perante conflitos e situações internacionais de extrema importância.
E bem sei que os portugueses podem pensar que as guerras e crises no “estrangeiro” estão bastante longe da nossa realidade e que tal não carece da nossa atenção. Este pensamento assume-se de forma prática no modo como os nossos candidatos a deputados na Assembleia da República decidem quais os temas que preferem dar importância ou não, porque sabem perfeitamente quais os temas que os seus eleitores querem ouvir e aqueles sobre os quais não se interessam.
Com efeito, nós, os eleitores, temos uma importante palavra a dizer sobre isso. Se acreditarmos que os assuntos internacionais são importantes e merecedores de que falemos e reflitamos sobre eles no seio da sociedade civil, os políticos não terão escolha se não falarem e refletirem sobre eles, porque sabem que os seus eleitores se importam não só com aquilo que se passa no seu país, mas entendem que falar de Portugal é também falar sobre o mundo em que se insere.
E, aliás, é imperativo não fazer esta divisão clássica daquilo que é meramente nacional do internacional. Portugal faz parte de uma comunidade política, a União Europeia, na qual o governo português, designadamente no Conselho Europeu, pode tomar certas atitudes que podem moldar aquilo que se passa, em certas áreas no nosso país e do mundo. Por outro lado, Portugal, se tiver um governo que acredite que deve apoiar a Ucrânia, está não só a fortalecer o continente onde se encontra, a Europa, como comprova o seu prestígio internacional. E ainda no caso do conflito na Palestina, o governo português tem também um papel crucial no modo como pode abordar esta questão no seio da União Europeia, mas também na Organização das Nações Unidas (ONU) e noutras organizações internacionais, juntando-se já aos inúmeros países, tanto no Ocidente como no resto do mundo, que lutam por um cessar-fogo justo e duradouro e que a paz e a defesa são vida ocupem o lugar da guerra e da morte.
Com estes exemplos práticos do modo como as posições sobre os assuntos internacionais do governo português são extremamente decisivas, pretendo alertar para o modo como Portugal, e especificamente o governo português que sairá destas eleições, tem um papel crucial na cena internacional contemporânea e que é imperativo que os partidos que se apresentam a eleições esclareçam quais são as suas posições quanto aos mais variados temas que moldam o mundo de hoje e irão construir o mundo de amanhã.