À medida que o luto pela morte de Alexei Navalny ecoa pelas comunidades de emigrantes — em chats online e mensagens encriptadas —, muitos dos seguidores jovens e idealistas do líder da oposição a Putin descrevem o mesmo sentimento de desencorajamento: os seus sonhos de uma Rússia livre e democrática morreram com ele, forçando muitos a redesenhar um plano de vida.
Depois de seis dias [entretanto já passaram nove dias] de choque e luto, de flores e velas colocadas em memoriais na Rússia e no resto de mundo, muitos dizem sentir-se profundamente sozinhos, deixados para lutar com o Presidente e com pouca esperança de vencer. Para muitos, já fora do país, significa nunca mais voltarem para casa; para os que ainda estão na Rússia, significa considerarem sair, de uma vez por todas.
“Tinha esperança de um dia regressar àquela ‘bonita Rússia do futuro’ [com] que Navalny sempre sonhou, talvez quando tivesse 30 ou 40 anos”, diz Alina, estudante na casa dos 20 anos, que decidiu estudar na Europa Ocidental pouco depois da invasão à Ucrânia, em Fevereiro de 2022. Não regressou à Rússia desde então. “Agora não acredito que alguma vez vá voltar ao meu país, e sinto que Putin e o seu legado vão viver mais do que nós.”
Alina, como outros nesta história, pediu para ser identificada apenas pelo primeiro nome, como medo de repercussões.
Navalny tentou seguir muitos caminhos que pudessem construir uma coligação para quebrar o poder autoritário de Putin, desde juntar-se ao partido progressista Yabloko até ao contacto com nacionalistas de extrema-direita. Afirmou-se como um guerreiro contra a corrupção e o motor dos protestos em massa de 2011 e 2012 contra as eleições legislativas fraudulentas, bem como contra o regresso de Putin à presidência, depois de driblar os limites ao servir quatro anos como primeiro-ministro.
Mas só quando Navalny construiu uma rede política a nível nacional, com a esperança de concorrer à presidência em 2018, é que alicerçou o slogan ‘Bonita Rússia do Futuro’ e solidificou a sua posição como líder da oposição. As autoridades afastaram-no das urnas, processaram-no com falsas acusações e até o envenenaram em Agosto de 2020.
Navalny teve muito sucesso a atrair pessoas jovens. Atraiu muitos millennials que se juntaram na sua sede regional para se voluntariarem e para se envolverem na política local — com a crença de que a mudança na Rússia era possível, porque Navalny assim lhes disse.
“Estou orgulhosa por ser quem sou, e, de muitas formas, agradecida a Navalny”, escreve Nikita Stupin, editor de um canal de conteúdos criado por membros da juventude democrática de Vesna e activistas aliados de Navalny. “Este homem instalou o desejo pela liberdade e a fé num futuro melhor numa geração inteira. E ninguém me pode tirar isto.”
Os russos nascidos no final dos anos 80 e nos anos 90 foram criados num rescaldo de histórias de horror dos seus pais, que viveram em agitação: a mudança do comunismo para a perestroika de Gorbatchov, o fim da União Soviética, múltiplos colapsos financeiros que levaram as suas poupanças, duas guerras na Chechénia. Para estas pessoas, que agora estão a meio da casa dos 30, o programa político de Navalny, que olhava para o futuro da Rússia ao invés de estar preso ao seu passado, foi uma novidade.
Em contraste com o revisionismo de Putin, com as conspirações acerca dos planos do Ocidente para “subjugar” a Rússia, da nostalgia pelo império soviético e pelo status de superpotência, Navalny ofereceu um programa orientado para o país, e de alguma forma utópico, que queria criar um sistema judicial independente, eleições justas, combate à corrupção e melhorar o sistema de saúde e de educação.
Pela primeira vez, os russos que não se lembram de outro Presidente além de Putin viram um estilo diferente de fazer política. Já na prisão, Navalny também apelou à substituição do forte sistema presidencial russo por um sistema parlamentar.
Desde que Navalny foi preso, em Janeiro de 2021, depois de ter voltado à Rússia após ter sido tratado na Alemanha a um ataque por envenenamento, muitos jovens russos desenhavam um paralelo com Nelson Mandela, o líder anti-apartheid que saiu de 27 anos de prisão para se tornar Presidente da África do Sul.
“Navalny foi a pessoa que me mostrou como é de facto a política”, diz Fedor, 23 anos, que fugiu da Rússia para evitar ter de ir para o exército. “Tinha este sonho no meu subconsciente, ainda que não fosse muito realista, mas que persistia: que um dia, daqui a 20 ou 30 anos, o regime iria mudar, que ele fosse libertado e que se juntasse à luta de contestação.”
“Agora esse sonho não existe.”
A morte de Navalny acabou com qualquer esperança de um cenário semelhante ao de Mandela, e a declaração da sua esposa Yulia Navalnaya, nesta segunda-feira, que disse que iria continuar o trabalho do marido, ainda que tenha alegrado muitos apoiantes, não restituiu a confiança.
Navalny, que há muito tinha previsto que iria ser morto, avisou repetidamente que os seus aliados e seguidores iriam ter de continuar o seu legado em tempos muito mais difíceis.
“Não desistam”, disse na cerimónia dos Óscares, em 2022, quando o director Daniel Roher lhe perguntou qual a sua mensagem para os seus apoiantes caso ele morresse. “Tudo o que é preciso para o triunfo do mal é a inércia das boas pessoas. Não fiquem inertes.” A indiferença, acreditava Navalny, é o verdadeiro inimigo da Rússia.
Ainda assim, nem Navalny conseguia visualizar o fim das circunstâncias sangrentas de 2024, com a invasão da Ucrânia a cumprir dois anos, com outros activistas presos, exilados ou mortes, e com Putin entusiasmado com o apoio instável a Kiev, incluindo 60 mil milhões de dólares para ajuda humanitária empatados.
Putin está seguro quanto a um novo mandato, após as eleições no próximo mês. E apesar dos pedidos de Navalny, o desespero é palpável entre os que choram a sua morte.
“Não gostava de Navalny como político dantes, mas quando foi preso senti uma enorme compaixão e respeito por ele”, afirma Yevgenia Korneeva, 30 anos, gestora de arte na indústria dos jogos, que se mudou depois da guerra. “Agora sinto que alguém muito importante para mim morreu, e que uma réstia de esperança ilusória que existia dentro de mim morreu, não deixando nada mais.”
Fedor, especialista de tecnologia, acredita que as vigílias e demonstrações de luto — que as autoridades reprimiram, detendo centenas de pessoas — ajudaram-no a sentir a união e o potencial para galvanizar a diáspora russa.
Anastasia, 28 anos, que voltou à Rússia há meio ano e prestou homenagem no memorial de Navalny da sua cidade, afirma que o seu primeiro instinto depois da morte do político foi fazer as malas e ir embora de novo.
“Mas depois, depois do desespero, veio o entendimento de que não podemos desistir. Fui ao memorial às vítimas da repressão deixar flores e mostrar às outras pessoas que lá estavam que não estão sozinhas. É especialmente importante que todos façamos o que podemos para trazer a mudança.”
O plano de Navalnaya para suceder ao seu marido recorda o caminho de Svetlana Tikhanouskaia como líder da oposição na Bielorrússia.
Tikhanouskaia assumiu o lugar do seu marido, Sergei Tikhanouski, como candidata presidencial, em Agosto de 2020, depois de o marido ter sido preso por enfrentar o líder bielorrusso Alexander Lukashenko. Mas ainda que Tikhanouskaia tenha construído uma sólida base de seguidores entre os exilados bielorrussos, Lukashenko manteve-se no poder. Putin deverá fazer o mesmo.
Alguns liberais russos alertaram que a oposição poderia cair na mesma armadilha de depositar esperanças numa pessoa e que será difícil que a rede de Navalny prevaleça sem ele.
“Acho que é muito difícil o movimento de Navalny existir sem ele”, aponta Fedor. “Como russo, estou muito contente que ela tenha tomado esta decisão. Agora, há pelo menos alguma esperança que as estruturas já existentes continuem a trabalhar.”
De certa forma, a rede de Navalny e a restante oposição russa têm-se aliado desde a invasão à Ucrânia, mas mantêm-se divididos de outras formas — com quezílias sobre como conseguirem apoio do Ocidente, e enfrentando críticas de russos antiguerra, que se sentem sub-representados.
Alguns analistas e apoiantes dizem que a organização de Navalny está em crise e que é improvável que Navalnaya sozinha a consiga recuperar.
“Não acho que tenha acabado tudo com a morte de Navalny, mas também considero que ele era o símbolo principal, o fogo que dava vida ao movimento, por isso vai demorar um pouco até que surja alguém que o substitua da mesma maneira grandiosa”, acredita Korneeva. “Mas sinto um imenso respeito pela Yulia.”
Para outros, como Anastasia, as palavras de Navalnaya soaram a grito de guerra. “Eu admiro esta mulher, e acredito que ela tem o poder para unir as pessoas que acreditam na ‘bonita Rússia do futuro’ em que o Alexei acreditava.”
*Notícia actualizada às 12h59 de 25/02/2024, com uma correcção: Navalny foi tratado, e não envenenado (segundo o Governo alemão), na Alemanha.
Exclusivo PÚBLICO/The Washington Post