Portugal no G20: enorme oportunidade, grande desafio
Portugal tem a capacidade de construir pontes para outras partes do mundo, desde logo a partir da Europa para África e para a América Latina, qualidade sobremaneira valiosa nos tempos que correm.
Foi pela primeira vez que Portugal participou numa ministerial G20, esta semana no Rio de Janeiro. Num mundo ideal, as instituições formalizadas por tratados e com papel consagrado no direito internacional, mormente a Organização das Nações Unidas, tornariam supérflua uma instância como o G20, um agrupamento informal que junta as principais economias do mundo para falar de economia e de tudo o resto, desde logo paz e segurança. Mas o mundo que temos não é ideal. Os bloqueios, disfuncionalidades e anacronismos de diversas das mais importantes organizações internacionais são simultaneamente sintoma e causa da forte degradação da ordem internacional a que assistimos nestes últimos anos. E é nesse quadro que as reuniões do G20 ganham uma relevância preponderante. Efetivamente, o G20 reúne 80% do PIB mundial, 75% do comércio e dois terços da população.
Ora é neste contexto particularmente complexo que Portugal participa pela primeira vez no G20, durante a presidência brasileira que vai até final deste ano, culminando com a cimeira que vai juntar chefes de Estado e Governo também aqui no Rio de Janeiro. A presidência do G20 tem a prerrogativa de convidar para participar nos trabalhos alguns países que consideram relevantes e úteis. Naturalmente que a relação fraterna entre o Brasil e Portugal foi um fator importante, desde logo porque significa que as autoridades brasileiras conhecem o nosso país e apreciam a nossa postura internacional. Mas naturalmente que isso não basta. Mais relevante é que Portugal tem a capacidade de construir pontes para outras partes do mundo, desde logo a partir da Europa para África e para a América Latina, qualidade sobremaneira valiosa nos tempos que correm. Por conseguinte, temos pela primeira vez, atendendo à presença de Angola, três países que falam português, além da própria CPLP, fazendo com que a nossa língua esteja mais presente do que nunca num fórum desta magnitude.
Para Portugal, esta participação é particularmente entusiasmante por nos revermos nas três prioridades identificadas pela presidência brasileira: o combate à pobreza, com especial destaque para a criação de uma aliança contra a fome; a transição energética, um desafio central para todos os países e um passo essencial para o combate às alterações climáticas; e a reforma da governança global, ou seja, a identificação dos passos necessários para que as instituições internacionais voltem a ganhar credibilidade e capacidade de gestão das tensões e dinâmicas internacionais.
Esta primeira reunião dos ministros responsáveis pelas relações exteriores procurou tratar de duas temáticas interligadas: a discussão das tensões internacionais e a reforma da governança global. Isto é, reconhece-se que há uma relação biunívoca entre a proliferação e intensificação de conflitos a que temos vindo a assistir e a degradação da ordem internacional. Cada uma contribui para a outra, numa espiral que foi ganhando velocidade ao longo destas primeiras duas décadas do século.
É este o argumento central que procuramos declinar nos diversos momentos de debate, coincidindo com as posições que adotamos na União Europeia ou nas constantes interações bilaterais com colegas de todos os continentes: que temos de regressar ao respeito pelo direito internacional e, no mínimo, pela Carta das Nações Unidas. A invasão russa da Ucrânia é um exemplo indisfarçável de desprezo pela Carta das Nações Unidas, que funcionará, se for vitoriosa, como carta de alforria para a resolução de conflitos em qualquer parte do mundo por via da força nua e crua. Foi isso que tive aqui oportunidade de dizer – em vésperas de contabilizarmos dois longos anos desde o início da ofensiva russa – olhos nos olhos aos representantes russos, que ali estavam, do outro lado da mesa.
De igual modo, não podemos deixar de juntar a nossa voz pelo fim da guerra em Gaza, em que são tratados de forma indiferenciada militantes do Hamas e civis inocentes. Os apelos, nossos e de tantos outros, para que fosse respeitado o direito internacional humanitário, foram muito obviamente escamoteados, levando igualmente à disseminação da ideia de que o direito internacional é meramente opcional. E não pode ser.
Falámos também da necessidade de adaptar a arquitetura financeira internacional aos desafios do nosso tempo, reconhecendo as profundas transformações registadas na realidade económica mundial desde os anos 40 do século passado. Reformar não é meramente facultativo: o incómodo crescente do hemisfério Sul traduzir-se-á, e já está a traduzir-se, no aparecimento de alternativas. Bancos multilaterais de desenvolvimento dispersos e fragmentados terão maior dificuldade em encontrar escala e eficácia para responder, por exemplo, à transição verde. Mas esse é o caminho inevitável se não houver lucidez e determinação para reformar os bancos existentes.
Quanto ao comércio internacional, a paralisia em torno do órgão de resolução de litígios é outra manifestação de disfuncionalidade da nossa ordem internacional, mas está perfeitamente ao nosso alcance encontrar soluções, desde que se queira que um órgão dessa natureza volte a funcionar. A alternativa é a lei do mais forte.
Em suma, as regras de convivência pacífica e próspera estão a ser cada vez mais contestadas, criando um quadro desfavorável para um país como Portugal, dependente da ordem internacional para poder promover e proteger os seus interesses. Estar presente à mesa do G20 nestas circunstâncias é muitíssimo importante, porque, apesar de se tratar de uma instância que não é decisória, permite formar opiniões e cristalizar ideias sobre processos de recuperação da ordem internacional. E é essa a posição que mais interessa a Portugal e à vasta maioria de países no planeta.