Durante mais de uma hora, no derradeiro frente-a-frente entre candidatos a primeiro-ministro, Pedro Nuno Santos (PNS) e Luís Montenegro (LM) protagonizaram um espetáculo pouco esclarecedor para o eleitorado. Se no dia anterior, Rui Rocha afirmava (no debate com LM) que a solução para o país estava sentada naquela mesa, no debate entre PNS e LM a má notícia era mesmo essa: saber que o futuro primeiro-ministro estava sentado naquele estúdio e que nenhum foi capaz de mostrar a serenidade, confiança e elevação que o cargo exige e de que os portugueses precisam.
Findo o debate, seguiu-se o comentário político. Sebastião Bugalho gritou sobre como LM devia ter debatido, porque até esteve melhor nas ideias, mas pecou por não ter sido o primeiro a gritar em momentos chave do debate. Miguel Prata Roque congratulou-se com a possibilidade de este debate impulsionar o PS para conquistar uma “goleada” sobre a direita, o que provocou uma resposta exaltada em Miguel Morgado, que considerou a avaliação desligada da realidade. Entretanto, Catarina Martins e Cecília Meireles prometiam maior moderação e calma na análise ao debate, até que começaram a trocar acusações sobre quem tem mais crédito pelo acelerar da construção em Lisboa.
Num programa de entretenimento, onde seria expectável que o humor de Ricardo Araújo Pereira aliviasse um pouco o clima de exaltação do serão na televisão portuguesa, Hugo Soares e Ana Catarina Mendes riram-se um do outro enquanto discutiam quem estava a proceder melhor no processo de decisão do novo aeroporto.
O clima de crispação é tão evidente que as ideias que são lançadas vêm sempre rotuladas com a cor do partido que as lançou. Estivemos duas semanas a desejar que os debates fossem mais longos e com menos interrupções para que se pudessem conhecer melhor as propostas de cada candidato. Talvez fosse um desejo demasiado ambicioso.
Primeiro, porque dando mais tempo, a tendência seria a de que o desgaste da troca de ideias levasse a uma troca de acusações. Para isso basta ver que Mariana Mortágua (e não só) está sempre a duas frases de distância de simplificar a sua fundamentada argumentação com “a direita quer é proteger os ricos”. E muitos intervenientes à direita estão sempre a duas frases de distância de acusar a esquerda de “querer tornar Portugal numa Venezuela”.
Em segundo lugar, não estou certo de que grande parte do eleitorado queira um debate moderado. Veja-se o caso do maior fenómeno de crescimento na política nacional nos últimos anos, o Chega, que cresceu de cerca de 70 mil votos em 2019 para 400 mil em 2022. O discurso incendiado, muitas vezes ilógico e pouco fundamentado de André Ventura não o impede de conquistar cada vez mais eleitores. Ser ponderado, estruturado e promotor do diálogo num debate é visto com maus olhos. Estamos a ficar reféns do sistema límbico, das emoções, e a não conseguir voltar ao território do córtex pré-frontal, da razão. Haverá várias causas para esse fenómeno, mas reconhecê-lo é o primeiro passo para começar a mudar.
Na semana passada, Mário Amorim Lopes, candidato por Aveiro da Iniciativa Liberal, num debate na Ordem dos Psicólogos Portugueses, não teve pruridos em reconhecer (embora a título pessoal, não vinculando o partido), que o representante do Livre tinha apresentado uma proposta sensata e que merecia futura discussão para eventual estabelecimento de pontes entre os partidos. Dialogou-se num debate, imagine-se! Esta já foi e deverá voltar a ser a forma de fazer política, pois é a única capaz de construir uma real melhoria no país.
Um debate de ideias em que ganha a que está melhor fundamentada e a que, com as informações disponíveis no momento de legislar, tem maior probabilidade de produzir resultados positivos. Mas enquanto continuarmos com a valorização de quem fala por cima e mais alto, quando quem ganha o debate é quem grita mais, quem é “politicamente” mais habilidoso, as ideias vão continuar silenciadas no meio da gritaria. No entretanto, os votos de quem, desgastado, já se conformou que a gritaria não terá fim, vão-se concentrando nos que nunca esconderam que a única coisa que propõem são gritos. É um aceitar de derrota, com o qual todos saímos derrotados. Se o leitor não aceita que este seja o novo normal, porque não começar hoje a tentar fazer as ideias falar mais alto?