Estará Viktor Orbán a perder o ímpeto com a sua política externa radical?
Talvez para sua própria surpresa, os líderes europeus conseguiram forçar Orbán a voltar à linha. Mas o dilema não está resolvido.
Os líderes e os diplomatas da UE respiraram de alívio quando o presidente do Conselho Europeu, Charles Michel, anunciou há duas semanas que o Conselho aprovou, por unanimidade, o pacote de ajuda de 50 mil milhões de euros à Ucrânia.
Esta decisão, que demonstra a determinação do bloco em apoiar o país devastado pela guerra, surgiu após semanas de tensões invulgarmente elevadas entre o primeiro-ministro da Hungria, Viktor Orbán, e os seus parceiros europeus. Orbán ameaçou vetar o pacote de ajuda, o que deu origem a acusações de “chantagem”, enquanto alguns líderes europeus ponderavam a possibilidade de recorrer ao procedimento previsto no Artigo 7.º do Tratado da União Europeia para retirar à Hungria os seus direitos de voto, em resposta às persistentes críticas de Orbán à acção da UE. Acontece que, deste modo, o resultado do passado dia 1 de Fevereiro foi satisfatório para todas as partes.
Do lado do Conselho, ao insistir e deixar claro a Orbán que não seriam feitas mais concessões sobre o estatuto dos fundos estruturais, a UE conseguiu o que pretendia. Já para Orbán, a fim de salvar a face, foram incluídas duas alterações no texto final. No Conselho Europeu, será discutido o relatório anual sobre a ajuda e a Comissão Europeia comprometeu-se a gerir o mecanismo do Estado de direito contra a Hungria de forma "justa e objectiva". Os meios de comunicação social controlados pelo Governo húngaro descreveram estas vitórias como históricas, dolorosamente concedidas pela chamada “elite de Bruxelas”. “Conseguimos”, brada um artigo no site oficial de Orbán.
Há muito que o primeiro-ministro da Hungria tem vindo a criticar a "elite de Bruxelas", a exprimir uma forte oposição a muitas políticas da UE e a desafiar firmemente as avaliações do terrível historial do Estado de direito húngaro. Mas porque é que, desta vez, Viktor Orbán fez as suas exigências de uma forma tão radical, quase pondo em perigo um pacote de ajuda à Ucrânia que permitirá salvar vidas?
Parte da resposta reside no facto de o Governo húngaro estar, actualmente, a ser investigado ao abrigo do mecanismo de condicionalidade do Estado de direito da UE e ter dezenas de milhares de milhões de fundos estruturais congelados até que cumpra as normas democráticas da UE, estabelecidas em 27 etapas. O congelamento contínuo dos fundos colocou o seu estatuto no centro dos compromissos de Orbán com a UE.
Em 2023, após vários meses de intensas negociações, que não conseguiram libertar fundos significativos, Orbán mudou de rumo e começou a procurar meios radicais de chantagear a Comissão Europeia para que esta fizesse concessões. Deste modo, o governo húngaro anunciou que iria vetar um possível aumento do orçamento e a ajuda à Ucrânia – que, neste último caso, é crucial para a própria segurança da UE.
Apesar de vários políticos húngaros negarem qualquer correlação directa entre a abordagem perante os fundos congelados e a posição do país em relação à Ucrânia, Orbán tinha deixado claro que abordaria as duas questões em conjunto, em Julho, e explicou que, quando a UE apresentasse os seus planos para aprovar uma nova estrutura de financiamento para o bloco, a Hungria não se limitaria a alinhar. Em Dezembro, encorajou abertamente os diplomatas húngaros a não se coibirem de tomar medidas radicais, o que contribuiu para o seu próprio posicionamento no Conselho Europeu do final do ano, onde conseguiu uma importante concessão: 10 mil milhões de euros de fundos de coesão congelados.
Para Orbán, tornou-se um lugar-comum criar disputas com as questões mais centrais que a Hungria e o bloco europeu em geral enfrentam, o que, em última análise, está ligado a esforços mais amplos para projectar poder no panorama internacional. Os aliados e amigos podem agora ser meros peões, sujeitos a chantagem como parte do percurso.
Esta mudança de comportamento pode ter raízes em 2010, quando Orbán declarou publicamente a procura de um novo paradigma de política externa para a Hungria. A sua ambição é empurrar a Hungria – um pequeno país da Europa de Leste na periferia da cooperação transatlântica – para o centro do processo de decisão global. Esta estratégia tem sido arriscada e tem-se revelado dispendiosa, dada a necessidade de construir relações económicas e políticas com a Rússia, a Turquia e, talvez mais importante, a China.
Estes laços crescentes com líderes autoritários colocaram Orbán em divergência com os seus aliados ocidentais. No entanto, ao fazer a ponte entre as exigências antagónicas do Oriente e do Ocidente, Orbán e as elites empresariais húngaras beneficiaram muito. A Hungria manteve-se segura, supervisionou aumentos significativos no investimento directo estrangeiro e tornou-se uma interveniente de grande dimensão no processo de decisão global.
Contudo, o início e a continuidade da guerra na Ucrânia puseram em risco esta posição vantajosa. O conflito aberto da Europa com a Rússia e a dissociação da China ameaçam anular o sucesso do jogo duplo de Orbán. O primeiro-ministro húngaro tem de enfrentar um novo cenário político, no qual a Polónia, os países bálticos e a Escandinávia se tornarão centros de segurança para o continente, juntamente com a possibilidade de uma Ucrânia apoiada pelos EUA se tornar um novo Estado-membro da UE. Neste cenário, a Hungria será de novo empurrada para a periferia.
Orbán está, portanto, a agir sistematicamente para atrasar a adesão da Ucrânia à UE, enquanto luta para manter as suas relações com a Rússia e a China. No entanto, a sua política externa, sempre radicalizada, está a afastar a Hungria dos seus aliados mais próximos e põe em perigo a unidade europeia nas questões mais importantes.
Talvez para sua própria surpresa, os líderes europeus conseguiram forçar Orbán a voltar à linha. Mas o dilema não está resolvido. Para concretizar as suas aspirações, Orbán precisa do poder que conquistou há 14 anos, quando voltou ao poder – e não está disposto a perdê-lo. O seu crescente autoritarismo é o pré-requisito para assumir riscos. Enquanto não tiver medo de perder o poder no seu país, pode continuar com as suas jogadas de política externa na Europa e fora dela.
Tradução de Nelson Filipe
Zsuzsanna Szelényi é especialista em política externa, foi deputada no Parlamento húngaro e é autora do livro Tainted Democracy: Viktor Orbán and the Subversion of Hungary