A confidencialidade das declarações das crianças em tribunal
Não existe nenhum normativo que clarifique em que termos é que uma criança é ouvida em tribunal, mais concretamente, não existe nenhuma norma que proíba, de forma expressa, a presença dos pais.
De acordo com o artigo 5.º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível, as crianças têm direito a ser ouvidas pelos tribunais para que a sua opinião seja tida em conta, nas decisões que venham a ser tomadas, no seu superior interesse.
Quando as crianças são ouvidas em tribunal, a prática é a de que as mesmas são ouvidas sem a presença dos pais e dos mandatários destes, sendo as declarações prestadas, gravadas.
No entanto, não existe nenhum normativo que clarifique em que concretos termos é que uma criança é ouvida em tribunal, mais concretamente, não existe nenhuma norma que proíba, de forma expressa, a presença dos pais ou dos seus mandatários durante a audição.
Porque, conforme decorre deste artigo 5.º, a criança deve ser ouvida em ambiente que garanta a sua espontaneidade, sem que se sinta em ambiente hostil ou constrangido, em situações específicas em que se entenda que a presença dos mandatários dos pais possa criar um ambiente que intimide a criança, o tribunal pode determinar que a mesma seja ouvida sem a presença daqueles.
Nestas situações, terá que fundamentar a sua decisão nos termos do artigo 154.º n.º 1 do Código de Processo Civil, na medida em que a regra, conforme decorre do artigo 3º n.º 3 do mesmo Código, é a de fazer cumprir o contraditório.
A decisão do tribunal de optar por ouvir a criança em privado e a respetiva fundamentação tem que ser dada a conhecer aos mandatários dos pais, sob pena de se cometer uma irregularidade processual, que poderá conduzir à nulidade da decisão que vier a ser tomada.
Quando o tribunal ouve as crianças em privado, por vezes, acontece que estas preferem que o que transmitem ao tribunal fique confidencial, ou seja, que os pais não acedam ao conteúdo do que verbalizaram.
Poderá validamente o tribunal atribuir caráter confidencial a estas declarações?
O artigo 25.º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível visa assegurar o cumprimento do princípio do contraditório relativamente a tudo quanto conste do processo.
Prestando uma criança declarações em tribunal, aos pais deverá ser facultado o acesso ao conteúdo do que foi verbalizado para que estes possam exercer o contraditório, pelo que não pode o tribunal garantir à criança que o que foi dito não será transmitido aos pais devendo, antes, adotar comportamento contrário, explicando à criança que terá que transmitir aos pais o essencial do que foi dito.
Isto porque, se os pais não tiverem acesso ao que a criança disse, não se podem pronunciar sobre tal, pelo que a consequência não poderá deixar de ser a não-possibilidade de utilização, pelo tribunal, na decisão a tomar, daquilo que a criança verbalizou.
Com efeito, quando o tribunal ouve uma criança e toma em consideração aquilo que a criança diz valora o que ouve, seja positiva, seja negativamente e, se não é facultado aos pais o exercício do contraditório, o tribunal poderá dar relevância a factos que não correspondem à realidade, que estão desenquadrados ou descontextualizados, podendo conduzir a situações gravíssimas.
Imagine-se, por exemplo, que uma criança diz em tribunal que a Mãe ou o Pai lhe bate ou que lhe aplica castigos que a maltratam.
Nesta situação, o tribunal não pode tomar uma decisão, nomeadamente, entregar a guarda da criança ao outro progenitor, sem que o visado se possa defender e clarificar a situação, exercendo o contraditório.
Tendo o tribunal a convicção que o que a criança relatou poderá corresponder à verdade e traduzir-se numa situação de risco para esta, não é a atribuição de confidencialidade às declarações da criança que remove o risco, mas sim a aplicação de medidas cautelares previstas, por exemplo, no artigo 28.º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível, as quais deverão ser acionadas pelo tribunal.
Em conclusão, a audição das crianças em privado não pode equivaler a uma audição confidencial.
Uma audição confidencial, para além de poder conduzir a situações graves, viola o princípio do exercício do contraditório, que tem que ser cumprido ao longo de todo o processo e que se não for cumprido, gerará decisões que podem ser atacadas judicialmente.
As autoras escrevem segundo o Acordo Ortográfico de 1990