Eleições legislativas e debates: algoritmos vs. media
Os debates também servem um propósito menos evidente, mas sobremaneira importante: chegar às pessoas cujo consumo de informação é sobretudo feito através das redes sociais.
Começam hoje os debates das legislativas de março. As televisões investem bastante nestes programas, que geram audiências e são oportunidades para os canais afirmarem a sua importância num dos momentos-chave da vida democrática: as eleições. Estes eventos-maratona, cujo arco narrativo é organizado em torno da pergunta “quem vai ganhar o debate?”, desenvolvem-se em três atos. No “pré-debate”, os comentadores ativam as expectativas e fazem a antecipação do confronto entre os candidatos que entrarão em cena no segundo ato, ou seja, no debate propriamente dito. Por fim, no “pós-debate”, os comentadores regressam ao plateau para fazerem o balanço: avaliam os desempenhos dos intervenientes e projetam as expectativas de vitória e derrota (reais e simbólicas) nas eleições.
Se o objetivo mais óbvio dos candidatos é convencer os eleitores-espetadores, eles também pretendem impressionar os comentadores e os jornalistas, cujas avaliações moldam o modo como tais atores vão falar deles daí em diante e interpretar as sondagens de opinião. No entanto, os debates servem ainda um terceiro propósito, bem menos evidente, mas sobremaneira importante: chegar às pessoas cujo consumo de informação é sobretudo feito através das redes sociais.
Atualmente, parte do eleitorado está desinteressada, desligada e desconfiada do modo como os meios de comunicação abordam a política, dando mais atenção ao que influenciadores, canais de YouTube, memes, amigos e familiares dizem online. É neste circuito — com agendas e abordagens próprias — que tomam contacto com os debates (e demais eventos de campanha), nomeadamente através de polémicas geradas por, ou a partir de, certas declarações ou comportamentos. É sob a forma de vídeos e posts, enquadrados por comentários feitos à medida que tais polémicas circulam no espaço digital, que os significados atribuídos a essas ocorrências vão sendo construídos em rede por quem está nesta pista paralela.
Os políticos que percebem melhor como tudo isto se processa comunicam para a televisão e para as redes em simultâneo, logo, entendem os debates como um dispositivo gerador de conteúdos para distribuir online. As suas equipas, mas também influencers e utilizadores anónimos, reformatam esses programas, fatiando as emissões em vídeos curtos. Por essa razão, os políticos com consciência algorítmica agem a pensar nos recortes que as suas equipas precisam de fazer, mesmo que isso implique ter um discurso que pareça desconexo em televisão.
Ao contrário dos meios tradicionais, os fragmentos não precisam de ter coerência ou lógica: são flashes performativos que, acima de tudo, comunicam intencionalidade, intensidade e dramaticidade. Tal expediente é usado online para alimentar narrativas, mobilizar bases de apoio, reforçar a rejeição aos oponentes e alcançar quem se afastou da mediação jornalística e perspetiva a política através do filtro das redes.
Ora, consumos dispersos e diferentes do discurso mainstream produzem entendimentos distintos da realidade política projetada pelos media. Por isso, “vencer/perder” debates é um indicador que mascara a lógica comunicacional contemporânea. Se a fragmentação partidária, a volatilidade eleitoral e o imediatismo impulsionado por lógicas digitais põem em causa o conhecimento adquirido acerca dos processos de decisão do voto, as novas dinâmicas de consumo de informação também têm de ser tidas em conta.
Na verdade, parte da surpresa do país mainstream em relação a dados de sondagens e resultados eleitorais decorre do facto de se continuar a usar uma lente interpretativa que coloca o que se passa nos media no centro da comunicação política. O que eles projetam tem importância, mas há muito que uma mundividência algorítmica da política rivaliza com (e em muitos casos ultrapassa) a mediática.
A autora escreve segundo o novo acordo ortográfico