Fluxo de migrantes no estreito de Darién bate recordes. ONU pede acção da comunidade internacional
Mais de 23 mil pessoas tentaram atravessar a pé, só em Janeiro, os 90 quilómetros de selva que separam a Colômbia do Panamá. Seguem rumo aos EUA e enfrentam a ameaça de grupos criminosos.
Vêm da América do Sul e rumam a norte para conseguir chegar à fronteiras com os Estados Unidos. Pelo meio, entre a Colômbia e o Panamá, têm pela frente um obstáculo quase intransponível: 90 quilómetros de selva densa, rios, lama e pântanos, onde não existem estradas. Mas o fluxo de migrantes que percorrem a floresta de Darién continua a aumentar de ano para ano. Estima-se que 520 mil pessoas tenham passado por ali em 2023, o maior número já registado. Este ano, mais de 23 mil pessoas tentaram já atravessar a fronteira entre a Colômbia e o Panamá, de acordo com dados das Nações Unidas (ONU). Esta terça-feira, o Alto Comissariado da ONU (ACNUR) veio alertar para a necessidade de a comunidade internacional intensificar esforços nesta região, onde quem arrisca a travessia corre risco de morte ou de doença, para além da presença de grupos criminosos.
O pedido por parte do ACNUR acontece depois de uma visita de Kelly T. Clements, vice-Alta Comissária da ONU para os Refugiados, ao Panamá, onde foi inaugurada uma sede do Gabinete Nacional de Refugiados. O objectivo é garantir que os migrantes que passem pela região possam requerer asilo ali e obter acesso a documentação e serviços essenciais. “À medida que a situação piora, mais cooperação e apoio são necessários para oferecer às pessoas vulneráveis mais alternativas a estas viagens perigosas e irregulares”, declarou a responsável da ONU.
O que leva os migrantes a percorrer o estreito de Darién?
Já há muito que a área de Darién conta com um intenso fluxo migratório. Factores como a repressão política, colapso económico e insegurança em vários países da América do Sul levam os migrantes a tentar percorrer a única via terrestre que liga o seu continente à América Central, rumo aos Estados Unidos.
No final da década de 1990 já passavam pela região colombianos que fugiam aos conflitos internos e à violência no país. Mas foi apenas a partir de 2010 que as autoridades do Panamá deram início ao registo das travessias, então em forte crescimento, ainda que com menos preponderância em relação a outras rotas migratórias americanas. Foi a partir de 2021 que o fluxo aumentou definitivamente, com dados a indicar a travessia a pé de mais de 130 mil pessoas nesse ano, de acordo com a Human Rights Watch. Em 2022, os números escalaram para quase o dobro, tendo sido registado um recorde no ano seguinte.
Em 2023, “os fluxos migratórios através da região bateram números históricos nunca antes vistos”, disse na altura Dana Ladek, chefe da Organização Internacional para as Migrações das Nações Unidas no México, citado pela agência de notícias Associated Press.
No entanto, a composição demográfica dos fluxos na travessia alterou-se em 2022: a maioria dos que chegaram ao Panamá depois de percorrem Darién eram venezuelanos. Se entre 2010 e 2021 o número de migrantes provenientes da Venezuela rondava os três mil, em 2022 ultrapassavam já os 150 mil, segundo a Human Rights Watch. Os dados de 2023 corroboram a tendência.
O número de crianças que realizam a travessia está também a aumentar. Entre Janeiro e Agosto de 2023 registou-se a travessia de quase 64 mil menores. Perto de uma dezena de crianças não acompanhadas chega diariamente a pé ao Panamá, informa a UNICEF.
Aliados aos perigos naturais da travessia, os migrantes enfrentam grupos de traficantes de droga ou de seres humanos. Esses mesmos grupos criminosos chegam a intervir nos percursos, cobrando dinheiro pela passagem em diferentes pontos do caminho. O contrabando na zona de Darién pode render aos cartéis dezenas de milhões de dólares por ano, como ilustrou recentemente uma reportagem da CNN. Grupos de defesa dos direitos humanos têm também denunciado a ocorrência de agressões sexuais, roubos e assassinatos na floresta.
Em Abril de 2023, a Administração Biden lançou uma campanha para tentar conter o fluxo migratório e desmantelar as redes de contrabando e tráfico humano na região, em colaboração com a Colômbia e o Panamá. Também no início do mês de Junho, o Panamá deu iniciou à Operação Choco, na fronteira com a Colômbia, para combater o crime organizado, impedir a entrada irregular de imigrantes e vigiar as comunidades nas imediações da rota.
São sobretudo duas pequenas comunidades indígenas que acolhem quem consegue terminar a travessia de Darién: Bajo Chiquito e Canaan Membrillo, onde os migrantes são registados pelo Serviço Nacional de Migração do Panamá. É também nestas comunidades que os crimes sofridos ao longo do caminho podem ser denunciados às autoridades. No entanto, indica a Human Rights Watch, a comunicação entre migrantes e autoridades é geralmente problemática, o que dificulta o registo dos crimes e a identificação dos seus responsáveis.
Texto editado por Pedro Guerreiro