Saúde mental e resiliência: um compromisso da parentalidade
A resiliência é uma aptidão desenvolvida à medida que a criança cresce e que a fortalece para enfrentar desafios, resolver problemas de forma autónoma e lidar com as adversidades ao longo da vida.
A saúde mental desempenha um papel fundamental na capacidade de um indivíduo pensar, agir e sentir, criando, ou não, bem-estar. A estabilidade emocional é importante em todas as fases da vida, desde a infância até a idade adulta, sendo que este equilíbrio vai permitir a cada pessoa desfrutar de uma vida satisfatória, manifesta sob a forma de estabelecimento e manutenção de laços de afeto com pessoas que são significativas, pela capacidade de tomada de decisão, pela dedicação ao trabalho, ao estudo e a outros interesses, como o lazer e o autocuidado.
Importa que pais e mães reflitam sobre a importância de se investir na saúde mental das crianças e jovens e no desenvolvimento de competências de regulação emocional; senão, vejamos alguns exemplos: qual é a criança que consegue aprender, brincar livremente, conviver, sentir-se confiante e manter-se emocionalmente estável quando está constantemente preocupada se os pais a vão buscar à escola no fim do dia, ou porque se sente incapaz, mesmo tendo estudado, de responder às perguntas do teste; ou ainda, se se sente ameaçada por um colega mais velho? Como é que um jovem que está em constante sofrimento por ter pensamentos indesejados e intrusivos, imagens e rituais compulsivos pode relacionar-se com os seus pares e ter uma adolescência normativa?
Sabemos, através de estudos científicos, que a ansiedade e o stress, por exemplo, têm um impacto significativo na qualidade de vida das pessoas, contribuindo para o aparecimento ou para o agravamento das dificuldades em dormir e em concentrar-se, para o aumento da tensão muscular e dos problemas gastrointestinais, para a irritabilidade, para as dores de cabeça e para o sentimento de incapacidade geral. Assim, os pais que dão atenção à sua saúde mental e a dos filhos estão a contribuir com um fator de proteção que pode gerar benefícios em todas as dimensões da vida. Note-se que reforço a atenção à saúde mental dos pais também, dado que crianças e jovens cujos progenitores estão em sofrimento psicológico têm maior risco de vir a padecer de problemas do mesmo foro.
E é aqui que entra a resiliência. A resiliência é uma habilidade que é desenvolvida à medida que a criança cresce e que a fortalece para enfrentar desafios, resolver problemas de forma autónoma e lidar com as adversidades ao longo da vida. Além disso, promove as relações interpessoais positivas, a adoção de comportamentos alimentares e de sono saudáveis, a capacidade de adoção de comportamentos de proteção e de evitamento do risco, e, ainda, a adaptação e transformação de experiências negativas de forma a superá-las ou a diminuir o seu impacto.
Naturalmente, o desenvolvimento da resiliência por si só não significa que a criança ou o jovem fica imune aos problemas ou que estes irão desaparecer. Na verdade, a resiliência irá servir como uma espécie de amortecedor quando surgirem dificuldades que causam vulnerabilidade. Este efeito protetor, como já foi explicado, poderá ajudá-los a encarar a situação de uma forma mais construtiva e com menos sofrimento, recorrendo aos seus recursos para lidar com a situação ou pedindo ajuda, se preciso, sem constrangimento.
Sendo a resiliência algo que se constrói ao longo do desenvolvimento e um fator de relevo para uma saúde mental equilibrada, os pais devem começar a impulsioná-la desde cedo, ajudando os filhos a adaptarem-se às mudanças e às situações adversas e a sentirem-se confiantes para orientar as suas vidas. Eis algumas formas de cultivar a resiliência que podem contribuir para manter o bem-estar emocional das crianças e jovens ao longo do seu crescimento:
• Aposte na formação dos laços sociais. A nossa saúde psicológica depende muito das nossas relações interpessoais, daí a importância de alimentar conexões positivas com amigos, familiares e com a comunidade onde vivemos, de modo a que tenhamos suporte para lidar com os desafios que a vida inevitavelmente traz. Faz falta conviver, estar fora de casa, conhecer pessoas e realidades diferentes das nossas;
• Fale abertamente, identifique e dê atenção às emoções, além de ensinar a criança a reconhecer as necessidades associadas a cada uma. Por exemplo, “sinto-me triste e preciso de conforto”;
• Deixe-se sentir todas as emoções, e ensine o seu filho a fazer o mesmo, independentemente de serem entendidas como agradáveis ou não, porque com frequência nós gastamos muita energia tentando livrar-nos das emoções e dos sentimentos e não lidamos com elas;
• Cuide do nosso bem-estar físico e emocional. Devemos começar por aspectos já muito falados e conhecidos, mas que nem sempre são postos em prática, tais como: respeitar as nossas rotinas de sono e descanso, manter uma alimentação saudável, fazer exercício físico regularmente. O sono das crianças deve ser uma prioridade, e os pais devem ser mais rigorosos no cumprimento dos horários em que os filhos vão para a cama e no número de horas que eles dormem. Estabelecer e manter bons hábitos de sono pode demorar algum tempo e exige persistência e consistência, mas os benefícios para a saúde física e psicológica estão comprovados;
• Mostre ao seu filho porque devemos sentir gratidão por aquilo que temos, pelo que conseguimos realizar e pelo que poderemos alcançar;
• Abra espaço para o diálogo em família sobre os problemas ligados ao nosso bem-estar psicológico e às vulnerabilidades de todos nós enquanto seres humanos, mostrando que pedir ajuda não representa vergonha, nem um sinal de fraqueza;
• Aposte na prevenção, através de informação sobre medidas de proteção e de ação perante situações de risco, por exemplo, de abuso, quer seja físico, sexual ou psicológico. Sobretudo, é preciso deixar claro que proteger a sua saúde física e psicológica é o primeiro passo para evitar dificuldades e que há comportamentos não devem ser permitidos, mesmo que mascarados sob a forma de “brincadeira”;
• Ajude a desenvolver um propósito para a vida e a tolerar a mudança e a incerteza como fazendo parte da vida. Trata-se de um processo individual e que está em permanente construção, mas que pode ser iniciado desde cedo, com ajuda dos pais, através da exploração das experiências vividas e daquilo que estas despertam ao nível dos sentimentos. O autoconhecimento, os valores, o estabelecimento de metas, os gostos e as capacidades também entram nesta exploração.
• Identifique e procure ajuda especializada para problemáticas como o cyberbullying, as perturbações alimentares, a depressão, as perturbações do sono, as dificuldades de aprendizagem e as dependências. Esteja atento aos comportamentos diferentes do habitual, como o isolamento, o choro fácil, a irritabilidade, ou ao uso em excesso dos dispositivos eletrónicos em detrimento do convívio com os pares. Esta sinalização pode contribuir para reduzir o impacto destes problemas, dando oportunidade às crianças de se sentirem seguras para explorar o mundo à sua volta.
• Aproveite o fim de semana para se envolver em atividades de lazer e hobbies em família. Isto contribui para criar prazer e diminuir tensões familiares e da escola.
• Ensine a recorrer ao humor, sempre que a situação permita, e à música como formas de descontração em momentos de tensão.
• Eduque para resolver situações de conflito de forma construtiva e não agressiva.
• Mostre que todos passamos por momentos difíceis, mas podemos aprender com a nossa própria experiência e identificar recursos, estratégias e competências que usamos para os ultrapassar.
• Fomente valores humanos e sociais, que são fundamentais para a independência de pensamento e de ação, baseados na felicidade, na amizade e na solidariedade.