Passou-se cerca de um mês desde a COP28. Um mês desde que os interesses do capital e do fóssil ganharam e que no texto final incluíram a palavra “transição”, achando que íamos celebrar migalhas. Com 2456 lobistas da indústria fóssil e os territórios mais afectados colocados novamente de parte, parece que a cimeira acabou por ser de facto um marco: daqui em diante, teremos cimeiras da indústria fóssil, não do clima.
A próxima conferência das Nações Unidas para as Alterações Climáticas, a COP29, acontecerá no Azerbaijão. Mais uma vez, um país produtor de petróleo e gás será o anfitrião de uma cimeira que (teoricamente) visa negociar a redução dos combustíveis fósseis.
Um país que planeia expandir a produção destes combustíveis em um terço durante a próxima década; um país cuja economia depende largamente dos combustíveis fósseis, que correspondem a cerca de 50% do seu PIB e que, no ano passado, representaram 92,5% das suas exportações.
Mas não ficamos por aqui: o ano novo começou com a notícia de que a cimeira será presidida por um antigo empresário da indústria petrolífera. Mukhtar Babayev é actualmente ministro da Ecologia e Recursos e é ex-presidente da Socar — a empresa estatal de petróleo do Azerbaijão, onde trabalhou durante 26 anos, passando por diferentes cargos. Soa familiar, não soa? Também o presidente da COP28, Sultan al-Jaber, era chefe da empresa petrolífera estatal dos Emirados Árabes Unidos (a Adnoc).
É a terceira vez consecutiva em que se escolhe um país exportador de combustíveis para acolher as negociações climáticas e o segundo empresário petroquímico consecutivo a ocupar o cargo de presidente da cimeira, mas o espaço da discussão tem sido inundado de interesses fósseis há vários anos. Segundo uma investigação da coligação Kick Big Polluters Out (KBPO), mais de 7200 lobistas dos combustíveis fósseis tiveram acesso às COP nas últimas duas décadas.
Não há dúvida de que estes números são aterradores, mas não nos enganemos: são uma ilustração adicional da prolongada campanha da indústria fóssil para negar e atrasar acções climáticas globais. As empresas fósseis, principais responsáveis pela crise climática, sabem o que estão a fazer há pelo menos cinco décadas. E mesmo sabendo do perigo e do efeito catastrófico da sua actividade, escolheram continuar, investir cada vez mais, espalhar desinformação e, consequentemente, trazer-nos ao ponto de abismo em que nos encontramos.
Mas há mais, como seria de esperar. Foi entretanto anunciado o comité organizador da COP29: a equipa conta com 28 homens e zero mulheres. Ora, as mulheres fazem parte dos grupos mais vulneráveis aos efeitos da crise climática — segundo a ONU, cerca de 80% dos refugiados climáticos são mulheres e crianças. Numa sociedade com diversas dinâmicas opressoras, entre elas o patriarcado, é necessário desmantelar as diferentes violências estruturais e é necessário garantir a participação activa em todos os passos dos grupos mais oprimidos.
Não só o comité é constituído maioritariamente por ministros ou funcionários governamentais, como também inclui o chefe da rede estatal de distribuição de gás — um combustível que contribui 86 vezes mais do que o CO2 para as alterações climáticas.
Parece que da COP já não esperamos nada, mas consegue continuar a surpreender-nos pela negativa.
2023 foi o ano mais quente desde que há registos: a temperatura média global esteve 1,49ºC acima dos valores pré-Revolução Industrial. Lembrando o limiar de aquecimento dos 1,5ºC e reconhecendo o falhanço do processo institucional até agora, torna-se claro que não é das cimeiras fósseis que a mudança que precisamos virá.
A nível nacional e internacional, o movimento por justiça climática não parará até derrubar este sistema capitalista viciado em energia fóssil. Construir um mundo que coloque realmente as pessoas e a vida no centro é tanto possível como inegociável.