Aos 125 anos, a Padaria Formosa do Porto renova-se para manter a essência
Continua a sair o pão do forno a lenha de uma das padarias mais antigas do Porto. A reabertura da Padaria Formosa trouxe algumas novidades, mantendo a essência deste centenário espaço da Foz.
São 14h e o vento sopra pela Rua de Gondarém, na foz do Douro. Aqui, ainda é possível espreitar para a Avenida do Brasil para ver e ouvir o mar que banha a costa acidentada da praia de Gondarém. A rua é “revestida” por dezenas de árvores em sequência, com os seus ramos, despidos de folhas nesta altura do ano, estendendo-se em altitude e cobrindo a estrada como um arco. Separam assim a estrada movimentada do extenso passeio. De porta em porta, contam-se as várias habitações e os pequenos negócios que marcam a vida deste bairro do município do Porto.
A tonalidade acinzentada da loja no número 362 destoa de todos os edifícios da rua. Pode não parecer, mas a sua fachada conta mais de um século de história, mesmo que discretamente. Modernizada e renovada, esta é a casa da Padaria Formosa, que celebra os seus 125 anos. Fundada em 1898, é uma das padarias mais antigas da cidade do Porto. Após três meses de trabalhos de renovação, a padaria voltou a abrir as suas portas em Novembro do ano passado, com um look e uma configuração renovada, com vista a honrar e manter a sua essência.
“No meu tempo, vendíamos cinco mil pães por dia”, conta Jaime Bastos, empregado de mesa e bartender que trabalha nesta padaria há dez anos. Já a sua mulher, Maria de Sá Rodrigues, que entrou pela primeira vez na padaria há 25 anos, passou por quatro gerências diferentes. “Eu era uma criança quando vim para aqui”, recorda Maria de Sá Rodrigues, com 23 anos de experiência no balcão e alguma saudade. Lembra-se ainda da “cor amarelinha” da antiga padaria, antes da sua renovação em 2013, e dos seus azulejos tradicionais.“Agora a padaria está muito melhor”, considera. “Antigamente vendíamos muito pão. Agora não vendemos tanto, mas também fazemos coisas diferentes”, sublinha a responsável pelo serviço de copa da cozinha. “Agora temos muita gente para a qual cozinhar."
Apesar da renovação, a Padaria Formosa continua a assumir-se como uma padaria portuguesa. Logo ao entrar, é possível sentir o ar abafado e o cheiro de pão fresco acabado de sair. Espalhados pelas várias mesas, são vários os clientes que optam por almoçar, tomar café ou deliciar-se com uma sobremesa. O ambiente é agradável: a iluminação discreta joga perfeitamente com a luz natural, que entra através das duas grandes janelas e portas de vidro da fachada. As colunas de som faziam ouvir a música Sultans of swing, dos Dire Straits, sem que o seu solo de guitarra seja capaz de atropelar as várias conversas que ali correm. Apesar do vento, há quem ainda se aventure a tomar um café, acompanhado por um cigarro, no exterior, numa esplanada que relembra as típicas parisienses.
“O objectivo é manter as raízes que a padaria sempre teve”, considera Manuel Costa, um dos três sócios da Padaria Formosa, juntamente com José Passos e Luís Jervell. Por convite de Jervell, os três amigos juntaram-se para “abraçar o projecto da Padaria Formosa centenária, de forma a manter o legado e a marca vivos”, após o risco do trespasse do negócio ainda antes das obras de requalificação.
No passado, metade da loja fazia parte da zona de distribuição, refere Manuel Costa, uma área ocupada pelas máquinas e o armazém da fábrica, situada no interior. Ao entrar na fábrica, deparamo-nos com o antigo forno a lenha Ramalhos, que irradia o seu calor por toda aquela sala, na qual os padeiros e pasteleiros trabalham pela noite fora, garantindo o serviço de distribuição da padaria. A ponteira do termómetro do forno aponta para os 300 graus no seu interior.
“A par com a Padaria Oriental [na Avenida Rodrigues de Freitas, em Campanhã], somos os únicos que ainda usamos este forno a lenha”, aponta o sócio de 37 anos. Esta relíquia com cerca de 50 anos foi um dos factores que valeu à Padaria Formosa a inclusão no programa camarário de protecção de comércio histórico Porto de Tradição. “Estamos a tentar manter a tradição, o que não é fácil”, considera José Passos, aludindo aos trabalhos de manutenção necessários para garantir o seu funcionamento. Mesmo assim, “convém manter o forno”, concordam ambos os sócios.
Quem frequentava a padaria no passado depara-se actualmente com uma frente de loja renovada. Manuel Costa aponta para as duas grandes portas históricas, agora no fundo da loja: “Estas portas eram utilizadas na antiga divisão entre frente de loja e fábrica. Recuámos e inserimos as portas no mesmo local, com o mostrador de pão no meio, exactamente como estava no passado”, explica o empresário. O mesmo acontece com o balcão, que continua a ser o original. Já o chão da loja, composto por vários mosaicos, continua a registar o passar do tempo. Percorrendo a antiga divisão da frente de loja, é possível verificar as suas marcas de desgaste, adquiridas no decorrer das décadas.
“Tudo o que temos aqui neste momento é produzido por nós”, com a excepção da broa de Avintes, esclarece Manuel Costa. “Claro que há coisas que ainda não conseguimos fazer, por isso é que também reduzimos a oferta um bocadinho”, explica, “mas o nosso objectivo para o futuro está aí: tudo aquilo que vendemos ao público ser uma coisa que nós próprios produzimos”.
Entre os vários tipos de pão que constituem a oferta desta padaria, destacam-se os pães de massa mãe e o processo de fermentação lenta. “A fermentação lenta é um dos nossos focos”, concordam ambos os sócios. “As pessoas preocupam-se mais com o bem-estar, e a fermentação lenta é uma das especialidades do nosso chefe de padaria, José Botelho”, considera José Passos. Entre os pães mais vendidos, destaca-se a "fogaça Formosa", o "esticadinho da padeira" e os brioches, juntamente com o pão biju, pão de água, pão de forma e pão integral.
A renovação da Padaria Formosa passa também pela sua oferta acrescida. “Temos uma nova opção, o brunch, aos fins-de-semana, durante o dia inteiro”, conta José Passos. O menu brunch (15€) inclui a escolha de um sumo natural, chá ou café, iogurte com granola, panquecas ou ovos. Já no menu do dia (12€) conta-se sopa, juntamente com a escolha entre uma tosta ou a salada do dia e a bebida. Na pastelaria, destacam-se ainda os croissants (1,40€), natas (1€), o almendrado e os húngaros (ambos 12€/Kg). Chama-se ainda a atenção para a selecção do vinho branco/tinto/rosé (3,50€) e vinho do Porto (4,50€). Adicionalmente, o cliente pode ainda encontrar uma variedade de produtos tradicionais, entre os quais doces, compotas e queijos de ovelha curados.
Texto editado por Sandra Silva Costa