Mais um reset sobre a Educação

Será bom que se afaste a ideia de diabolizar o digital, como algo que não se gosta, mesmo que se utilize o próprio digital para dizer mal do mesmo.

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Hugo Pires

Iniciamos 2024 com enormes esperanças numa sociedade que é dinâmica e está em constante evolução. A Educação é a chave para o desenvolvimento sustentável e para o progresso de um país, e é nessa área que 2023 foi um ano de enorme turbulência. O mundo educativo reinicia as aulas com os olhos postos sobre o que pode ou não acontecer em março de 2024. Urgem políticas educativas que sejam consistentes e amplamente aceites em formas de consensos políticos entre esquerda e direita, assumidas como fulcrais para assegurar um sistema educativo sólido e eficaz.

Neste capítulo, é o planeamento de longo prazo, que nos difere dos países que consideramos modelos para a educação mundial, que tanto ansiamos seguir. Contudo, a falta de consenso sobre políticas educativas tem resultado em persistentes renovações de direção, o que prejudica a estabilidade e eficácia nas escolas, professores, alunos, pais, currículos e avaliação.

Seria bom, que nos próximos meses, independentemente, de quem lidere o país, que não se destruíssem os caminhos percorridos, desde a flexibilidade curricular, ao Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória, os modelos de avaliação e plano de ação para a transição digital, como que de um reset se tratasse, mas sim, partir do que foi planeado sem sentido crítico ou participação das escolas e, desta forma, melhorar as intervenções e planeamentos futuros.

Curiosamente, quando a sociedade é cada vez mais tecnológica e digital, as escolas renovam com uma reforçada diabolização do digital, mas sobretudo num extremar de posições, como se o digital não pudesse ser conjugado com o analógico, nos seus diferentes modos de brincar, interagir, conversar e, sobretudo, aprender. O que não deixa de ser curioso, é que as escolas pretendem ensinar a nadar, mas sem colocar os alunos na água. Ou seja, ensinar literacia e competência digital ou ética com a utilização da tecnologia, não pode ser feita sem a própria pedagogia sobre essa tecnologia.

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Hugo Pires

Não nos questionamos quanto tempo um aluno está com um lápis ou uma tesoura em determinada e, por vezes, repetida ação pedagógica, mas questionamos o tempo que passa com um ecrã, mesmo que a ação possa ser mais profícua e imersiva. Para cada tarefa específica, o aluno usará a tecnologia que melhor se apropria à resolução do problema proposto e este é o desafio que cada docente tem pela frente, diversificar e incluir.

Para compreender melhor esta proposta de ensino-aprendizagem, precisamos perceber os princípios das metodologias ativas, em que o centro do processo ensino-aprendizagem se desloca para a interação do aluno com o conteúdo, para a sua autonomia, reflexão, trabalho em equipa, inovação, sentido crítico, e resolução de problemas, libertando o professor para a função fulcral de proponente de desafios que incentivem este modelo.

Naturalmente, o uso de tecnologias faz parte de um processo metodológico inovador, uma vez que elas fazem parte do quotidiano social e a interação dos alunos com a realidade, associada a conexões tecnológicas modifica os modos de interação, de representação do pensamento, de expressão de sentimentos, de aquisição e de produção de conhecimento. Quando falamos de modelos híbridos de aprendizagem, entendemos uma transformação que vai muito além do uso da tecnologia, mas sim, a modificação de processos e combinação de estratégias e recursos, nos diferentes espaços educativos.

Num modelo híbrido, não há uma única forma de aprender e, por consequência, não há uma única forma de ensinar. O trabalho colaborativo pode estar aliado ao uso das tecnologias digitais e propiciar momentos de aprendizagem que ultrapassam as barreiras da sala de aula. Num mundo de mudanças tecnológicas, inovar não é sempre fazer o novo, mas é também melhorar algo já existente, ao invés desta sensação de incoerência, de distanciamento entre o que desejamos e o que é, realmente, a Educação. A sociedade evolui mais rápido do que a escola e, sem mudanças profundas, consistentes e constantes, não avançamos. A escola não é apenas o local onde colocamos os alunos, mas temos de oferecer algo que estimule, inove, provoque, instigue e ative o aluno.

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Nos últimos meses de 2023, a discussão, embora sem debate sério, na comunicação social e no meio educativo foi crescendo, sobretudo pelas ideias, consideradas inovadoras e/ou acertadas, de que os países nórdicos, nomeadamente, a Suécia, teria abandonado os ambientes digitais e realizado um retrocesso para ambientes analógicos, dito livro, papel e caneta. A simples ideias veiculada que após mais de dez anos de experiência, os suecos concluíram que o melhor é abandonar os ecrãs digitais e os tablets nas salas de aula, que o ensino digital vai ser deixado de lado e que os livros tradicionais vão regressar às escolas é completamente errada, primeiro na notícia e segundo na possibilidade de alguma vez ser verdade!

Ainda assim, o que está em causa na Suécia não é de nenhum abandono dos dispositivos digitais, mas sim de uma combinação com alguns livros, garantindo o equilíbrio entre os dois sistemas (digital e analógico) de ensino. Curiosamente, a ideia de aprendizagem híbrida é um excelente exemplo, em muitas escolas, em Portugal. O equilíbrio na gestão dos recursos, depositando nos especialistas em Educação, ou seja, os professores, o poder da escolha e da seleção de recursos que tornam a aprendizagem mais eficaz é, e deve continuar a ser, a aposta.

Será bom que se afaste a ideia de diabolizar o digital, como algo que não se gosta, mesmo que se utilize o próprio digital para dizer mal do mesmo. Será um contrassenso e um fenómeno mais fácil para negarmos o progresso, neste caso educativo! O abuso do digital não acontece nas escolas, mas sim na ausência de educação parental, nos ambientes sociais e informais. Na verdade, não ter essa consciência, colocando o problema na tecnologia, esquecendo que a causa é comportamental, neste caso do mau comportamento humano.

O Plano de Transição Digital não pode ser transitivo, mais uma moda ou passagem, mas sim efetivo e sustentável. Este desenho, que precisa de melhor planeamento, maior eficácia e concretização, não é um plano de um partido político, tem de ser um plano de um país, porque estes alunos não podem viver na redoma da escola, sem exposição e transferência às necessidades da sociedade.

Assim, é imperativo que partidos políticos, instituições educativas, especialistas e comunidades escolares trabalhem em conjunto para desenvolver e implementar políticas consensuais, não podemos continuar a solicitar aos nossos alunos o esforço de serem mais colaborativos e que assumam compromissos educativos, quando em simultâneo, não conseguimos dar o melhor dos exemplos de entendimento e cooperação, de forma a termos uma melhor nação para as gerações presentes e futuras.


O autor escreve segundo o Acordo Ortográfico de 1990

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