Este Natal, por mais uma vez, a Vodafone esmerou-se no seu anúncio publicitário comemorativo. Pretendendo celebrar o amor com o seu #OuveOTeuCoração, conta-nos a história de um homem jovem e adulto que vive a ceia com o seu namorado e de uma tia que, ao vê-los juntos, se recorda da sua relação passada de paixão e carinho com uma mulher. No final do vídeo a tia admite o seu orgulho perante o sobrinho e envia uma mensagem de feliz Natal ao antigo amor, que, ao que tudo indica, lhe reciproca o desejo.
Já no ano passado a Vodafone tinha apostado na importância da divulgação e do reconhecimento público das preocupações com a saúde mental. Da mesma forma que a nossa estabilidade psíquica deve ser uma prioridade singular e colectiva, mas é constantemente posta à prova pelas forças multidimensionais de pressão das dinâmicas sociais hodiernas, também o amor, transversal às necessidades da vida, nem sempre é bem recebido, em todas as suas configurações, por alguns sectores das sociedades.
Se é verdade que uma publicidade é sempre um modo de promover o capitalismo e, portanto, a competitividade, frequentemente fria e brutal, e a procura do lucro, também não deixa de ser uma apresentação da diversidade, tentando alcançar todos os gostos e cosmovisões.
Assim sendo, não é raro que as empresas se encontrem preocupadas, por múltiplas razões, com a inclusão de todas as pessoas, nomeadamente das minorias, para que também sejam aceites e os clientes adiram aos seus produtos e serviços. E, pese embora a comunidade LGBTQI+ comece a ser cada vez mais aceite socialmente, não deixam de existir movimentos conservadores e sectários que tentam obstaculizar ou mesmo eliminar as diferenças legítimas e positivas entre os seres humanos.
É graças à capacidade de cada um de nós trazer ao mundo a sua perspectiva e as suas produções artísticas que este se enche cada vez mais de cor e profundidade; porém, há quem prefira o aborrecimento e a desilusão da "mesmidade".
Contra esses, e tendo como objectivo a normalidade de toda e qualquer expressão sexual, é que precisamos de, em primeiro lugar, identificar a dupla tendência de aceitação/reprovação – ao mesmo tempo em que se promove a igualdade, crescem os extremismos contra ela – e, em segundo lugar, de fomentar continuadamente a união e a esperança no valor da humanidade como pilar principal de todos os comportamentos, contrariando a discriminação.
O anúncio da Vodafone é, nas poucas dezenas de segundos que o compõem, complexo, pois estabelece um cruzamento entre pólos de ideias. O amor homossexual está unido ao amor familiar; o carinho do sobrinho entrelaça-se com o carinho da tia; e a antiguidade é uma ponte para a actualidade e para o futuro.
Além disso, convoca-nos para um novo paradigma ou modelo de relação e de comunicação com as diferenças, tal como descrito e proposto por Stephen Stoer e António Magalhães (2005) em A Diferença Somos Nós: A gestão da mudança social e as políticas educativas e sociais (autores e obra que nunca me canso de relembrar e mesmo citar).
Em muitas atitudes cidadãs estamos habituados a adoptar, para enfrentar o etnocentrismo que ainda é mancha em algumas das nossas convivências, o modelo da tolerância, em que o outro é uma diferença válida, mas com a qual não queremos interagir (ou seja, existimos em conjunto, mas numa espécie de “guerra fria” ou “paz podre”).
Contudo, a meu ver, é essencial transitarmos para um modelo relacional, no âmbito do qual a diferença se assume na relação com as outras diferenças – isto é, todos somos diferentes e devemos ver-nos como tal, o que implica que cada um merece ser tratado do mesmo modo.
Ao contar-nos uma história de encanto, a Vodafone não espera necessariamente que (só) nos encantemos, mas sim que a nossa consciência para o que ainda falte fazer desperte, utilizando o marketing economicamente e, em simultâneo, pedagogicamente.
Por isso, sendo a época natalícia um momento de encontros e reencontros, sentemo-nos à mesma mesa para nos alegrarmos e discutirmos sobre gostos – de modo a respeitá-los e a incentivar o que de mais belo podemos nutrir na afeição humana.