São os dias mais luminosos do ano. O dia mais pequeno do ano é também o mais luminoso e bonito, ainda que seja também o mais curto, porque a luz que nos apresenta é fugaz, mas tão intensa. Estas são verdades subjectivas que dependem de evidências meteorológicas. E estas são palavras que só fazem sentido se o céu estiver livre de obstáculos cinzentos e húmidos — cheio de luz.
Não sei se têm tido tempo para observar os fins de tarde a que temos tido direito. É um privilégio (dos mais humanos). Têm estado tão bonitos. Calmos. E têm sido tão próprios do mês a que pertencem. Cá em baixo, a vida é uma correria, mas, lá em cima, confusão é coisa que não existe, porque tudo está muito certo, como está desde sempre e para sempre.
É nestes dias que acredito que todas as pessoas que já se despediram de nós se juntam, na longa varanda do céu, e ficam a olhar para nós — e algumas por nós. Na primeira fila, junto ao parapeito, estão os avós, porque são e sempre foram os primeiros de tudo e em tudo. Os nossos avós, os avós dos nossos pais e até os avós dos nossos Avós, porque também estes existiram, mesmo que pensemos tão pouco nesses, porque não foram os nossos.
Pode ser que se trate de uma coincidência astronómica. Ou física. Não a sei descrever — e o problema não tem que ver com a inexistência de palavras, já que muitas são as que conseguem descrever as boas imagens e memórias que associamos ao derradeiro mês do ano, aquele que assinala a entrada do Inverno nas nossas casas e vidas.
Para os desatentos: o céu tem ficado cor de laranja, da cor do fogo e das conversas quentes e partilhadas no interior de salas preenchidas por pessoas que gostam umas das outras e que sentem a falta de outras, de quem também gostam e gostavam muito.
Umas continuam por cá. Outras não. É pena, mas muitos de nós andam fugidos, quase sempre por necessidade de qualquer coisa e, às vezes, por escolha. Mas, no fim, as que o podem fazer voltam para junto de nós. Como dependemos dos aviões.
Ou o céu é um ladrão porque nos rouba, tirando-nos pessoas, e porque recolhe para si a cor do fogo das lareiras que ultimamente se têm acendido. Ou então este parágrafo não é mais do que uma ofensa — e das graves. Pois, pode ser que não sejamos todos vítimas de furto: se calhar, o céu recupera apenas o que é seu por direito.
Ele empresta-nos as melhores pessoas e depois pede-as de volta. Só não sabemos quando. Somos forçados a aceitar. Elas nunca nos pertenceram, mas afeiçoaram-se a nós e nós a elas. Vá-se lá saber porquê. Pode ter sido porque viram em nós uma luz invisível, em tudo semelhante àquela que finaliza os dias mais frios do ano. Nós sabemos o porquê de gostarmos das pessoas de quem gostamos.
Compreendo os antigos pagãos, que, pensa-se, faziam desta altura um festival de luz natural e de luzes humanas. Talvez nunca se tenham interessado assim tanto por ciclos agrícolas, mas apenas por pessoas, iguais a nós. Escolho acreditar nisto. É uma justificação mais maravilhosa.
Os seus costumes, ancestrais, foram largados, mas são recuperados de cada vez que um de nós dá por si a assistir ao espectáculo protagonizado pelo cair da noite, que promete ser fria e longa, mas boa e generosa também, porque nos aproxima uns dos outros e de nós próprios, sobretudo.
Interessa pouco se estamos dentro de um carro, presos no trânsito da Avenida Marginal, ou a segurar uma caneca de café junto à janela do escritório, ou encostados a uma cadeira de uma esplanada à beira-mar: somos movidos pela luz do céu, que parece provir de autênticas fontes eléctricas, dependentes de correntes, sim, mas de amor, contemplação, saudade e certeza.
De facto, faz sentido que se tenha escolhido celebrar o Natal no fim do mês de Dezembro. O mês da luz.