A TAP pode e deve continuar integralmente nas mãos do Estado
Até devolver a ajuda que dele recebeu em 2021, a TAP pode e deve continuar nas mãos do accionista Estado, cuja ambição devia que, depois de saldada a dívida, ela emparceirasse com companhias da CPLP.
Continuamos a ouvir declarações oficiais segundo as quais a TAP tem que ser parcial ou totalmente adquirida por uma companhia europeia maior, sob pena de mais tarde ou mais cedo voltar a precisar de ajuda do Estado.
Sucede porém que, sempre que foi bem gerida, a TAP nunca precisou da ajuda do Estado, tal como sucedeu ininterruptamente entre 1995 e 2021, porque o seu negócio assenta na extraordinária localização de Lisboa no centro do Atlântico e na herança cultural da História que construímos a partir dessa localização.
Os famigerados prejuízos, de menos de mil milhões de euros, da holding e não da companhia aérea, que serviram de pretexto para as injustas alegações que se fizeram para justificar o tipo da ajuda concedida em 2021, tinham sido principalmente acumulados pela VEM, que fora a maior empresa de manutenção aeronáutica da América Latina, em boa hora comprada pela TAP para abrir caminho político à transferência para si dos voos para a Europa da falida Varig.
Tenhamos presente que em 2019, imediatamente antes da pandemia, sem quaisquer ajudas do Estado, a companhia aérea TAP tinha conseguido renovar substancialmente a sua frota por forma a poder adicionar 40 voos semanais para os EUA aos voos para o Brasil e para África, que já eram 70 por semana cada.
E que em 2022, imediatamente após a pandemia, o número de voos semanais entre o Brasil e Portugal cresceu para mais de 80, tendo a companhia anunciado que em 2024 serão mais de 90, o que a alcandorará a uma liderança cada vez mais proeminente dos voos entre a Europa e o Brasil, posição que ocupa há mais de uma década.
Ou seja, graças à boa gestão acumulada neste século, de Fernando Pinto, de Antonoaldo Alves e, desde abril passado, de Luís Rodrigues, a TAP poderá já este ano ultrapassar os 2 milhões de passageiros transportados entre o Brasil e Portugal, não sendo portanto de espantar que suscite tanto interesse por parte da concorrência.
Agora que finalmente nos encaminhamos a passos largos para lançar a primeira pedra dum grande aeroporto nacional com quatro pistas nos 7,5 mil hectares do Campo de Tiro mandado instalar em Alcochete pelo rei D. Carlos, um ano antes do seu bárbaro assassínio, a TAP pode encarar o futuro com ainda maior confiança, sendo, pois, incompreensível a persistência da pulsão para a entregar a uma concorrente.
Bem pelo contrário, enquanto não tiver devolvido a ajuda que dele recebeu em 2021, a TAP pode e deve continuar integralmente nas mãos do accionista Estado, cuja ambição devia aliás ser que, depois de saldada essa dívida, ela emparceirasse com companhias aéreas sediadas em outros Estados-membros da Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP) e nas regiões onde estão inseridos.
Seria, pois, avisado que não se repetisse o erro trágico que constituiu a privatização em 2012 da ANA, concessionária de todos os aeroportos nacionais, cuja elevada rentabilidade estrutural a habilita a construir o novo aeroporto sem qualquer custo para o contribuinte fiscal. Mas que, em consequência da privatização, passou a estar ao serviço dos interesses globais de uma empresa privada estrangeira, que tanto podem coincidir como não com o interesse público, e em qualquer caso obriga o Estado a aceitar a repatriação da quase totalidade dos dividendos, se o novo proprietário assim o entender, mesmo depois de ter recuperado o que investiu.
O binómio constituído por uma saudável companhia nacional baseada num grande entreposto aéreo, ambos integralmente nas mãos do Estado, enquanto o setor privado português não tiver músculo para dar o seu contributo, é no entanto indispensável, embora insuficiente sem a necessária determinação política, à conversão da posição geográfica de Portugal no alicerce principal da nossa autonomia estratégica nas ligações ao hemisfério americano e ao continente africano.
A discussão sobre se a eventual reprivatização da TAP deve ou não esperar pela devolução do dinheiro que recebeu, bem como sobre se a atitude do accionista privado sobre o financiamento da construção do aeroporto em Alcochete justifica ou não a renacionalização da ANA, não é, pois, apenas a discussão sobre mais um pacote de obras públicas críticas para a exportação de serviços altamente rentáveis, de transbordo e turismo. É também e sobretudo a discussão sobre a consolidação ou não da nossa autonomia estratégica nas ligações aos outros Estados-membros da CPLP, Estados com abundantes recursos donde felizmente provem uma parte crescente do talento, da competência e da iniciativa que a nossa economia requer, onde temos raízes insubstituíveis e para onde os portugueses inevitavelmente continuarão sempre a sentir-se atraídos.
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