Criei a minha colecção de champôs de hotel para uma vida de cuidados capilares grátis
Não é preciso sair de casa. Nada de correr para a loja. O meu cesto de champô estava sempre cheio. Até que deixou de estar...
Sou um homem de meia-idade, razoavelmente são, que passou toda a vida adulta sem comprar champô. Em vez disso, utilizava apenas os frasquinhos de champô de hotel gratuitos que fui juntando ao longo dos anos a viajar como jornalista de desporto.
Alguns podem achar que coleccionar champô de hotel é uma coisa estranha, mas é reconfortante saber que, quando um frasquinho se esgota, só tenho de pôr a mão no cesto de amostras que guardo no armário da casa de banho. Não é preciso sair de casa. Nada de correr para a loja. O meu cesto de champô estava sempre cheio. Até que deixou de estar...
Há alguns anos, reparei que alguns hotéis já não colocavam pequenos frascos de champô em cima dos lavatórios das casas de banho. Numa tentativa de reduzir os custos e o plástico, substituíram-nos por frascos enormes presos em suportes nas paredes dos chuveiros — como prisioneiros presos em cadeias. Rapidamente, os frascos pequenos desapareceram de praticamente todos os hotéis.
Nunca me propus a lavar o cabelo apenas com champô de hotel. Simplesmente aconteceu. Um frasco que trouxe distraidamente para casa juntou-se a outro frasco, e outro, até que o champô gratuito se tornou uma espécie de obsessão.
Não bastava ter um frasquinho de cortesia de cada hotel numa viagem, precisava de um frasco de cada noite. Comecei a guardar os frascos no fundo da minha bolsa de artigos de higiene pessoal nas manhãs das estadias, na esperança de que, quando regressasse, um substituto brilhante estivesse à espera no balcão. Quase sempre, estava.
Ocasionalmente, a empregada de limpezas fazia-se de desentendida, arrancava o frasco escondido do meu saco e voltava a colocá-lo no lavatório. Mas era raro acontecer e, passado algum tempo, a minha colecção de champôs aumentou. Confiante de que o meu cesto ficaria sempre cheio, deliciava-me com os duches caseiros, ensaboando o meu cabelo com uma boa quantidade de champô grátis, deixando-o escorrer pelos ombros numa cascata de bolhas de espuma.
Mas, no outro dia, reparei que o meu cesto tinha apenas três frascos: um de um hotel de Pequim, trazido para casa depois dos últimos Jogos Olímpicos, outro de um hotel de que não me lembro e um terceiro tão velho que o líquido no seu interior tinha endurecido numa argila acinzentada que se desfazia em pedaços quando o abanava. Deitei fora este último e coloquei o do hotel misterioso no lugar habitual, ao lado da porta do duche.
Depois, comecei a temer a inevitável ida ao supermercado, sabendo que em breve estaria parado no corredor dos champôs, impressionado com as filas de frascos azuis, verdes e vermelhos com rótulos que gritavam palavras como “Forma!”, “Volume!” e “Brilho!”
“És uma vergonha e não quero que as pessoas saibam que te conheço”, disse recentemente a minha mulher. Podia estar a falar de muitas coisas, mas, neste caso, era de champô. Ela nunca entendeu a minha obsessão com o cesto de amostras de hotel e por que ocupava um espaço tão valioso no armário da casa de banho. Ela acha que estou a ser “forreta”. Eu prefiro a palavra “prático”.
Na maior parte das vezes, continuei a usar champô de hotel porque era fácil. Fazê-lo significava menos uma decisão numa vida de dilemas. Mas agora, com o frasco do hotel misterioso cada vez mais vazio, deparo-me com a tristeza que se sente quando se está a racionar as últimas gotas de champô grátis, tentando adiar o inevitável.
Não acredito que esteja sozinho neste lamento. Certamente, há outros que contaram com a generosidade dos hotéis e nunca compraram o seu próprio champô. Outros que, como eu, estão a enfrentar um futuro sombrio e incerto.
As pessoas sugeriram que levasse frascos pequenos vazios para os hotéis e os enchesse com champô dos grandes recipientes de duche. Isso seria roubar e não sou ladrão. Em vez disso, quando a minha última amostra grátis de hotel acabar, vou até à loja mais próxima, dirijo-me ao corredor do champô, fecho os olhos e compro o primeiro frasco que encontrar. Como qualquer outro adulto normal.
Exclusivo PÚBLICO/The Washington Post
Tradução: Inês Duarte de Freitas