O futuro da ciência em Portugal
É essencial discutirmos este assunto, sobretudo nesta altura em que nos preparamos para ter um novo governo, e quem se propõe a tal ser claro quanto às suas propostas.
O período de transição entre governos que inesperadamente vivemos é propício à reflexão sobre o que se passou nos últimos anos e o que queremos para os próximos. Tal como outros setores da nossa sociedade, o da ciência tem vivido tempos conturbados.
Recentemente, foi divulgado um estudo (O Futuro da Ciência e da Universidade, por Maria de Lurdes Rodrigues e Jorge Rodrigues da Costa, Edições Almedina) que indica que o investimento público em investigação e desenvolvimento (I&D) está hoje abaixo do que era em 1991, sendo de apenas 0,32% do PIB (menos de metade da média da OCDE).
É certo que o investimento privado tem vindo a aumentar, mas este não substitui o investimento público – complementa-o. É fácil perceber que os privados investem naquilo que lhes pode trazer retorno financeiro e que há áreas do conhecimento científico que têm de ser financiadas através de fundos públicos. É o caso da investigação mais fundamental, que ainda não está perto de nenhuma aplicação. Ainda recentemente o comité do Nobel reconheceu as descobertas fundamentais que desbravaram caminhos às vacinas contra a covid-19. Muitos mais exemplos poderiam ser dados de como não há aplicação sem conhecimento fundamental e de descobertas que, quando foram feitas, não se poderia sequer prever que iriam ter aplicações essenciais às nossas vidas.
Em Portugal, é a Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT) que gere o Orçamento do Estado dedicado à ciência, tecnologia e inovação – cerca de 675 milhões de euros anuais. A forma como a FCT atribui estes fundos é, por isso, fundamental para o funcionamento do sistema científico nacional. Num artigo publicado recentemente, o investigador Miguel Prudêncio expõe os “truques e subterfúgios” da FCT. Destaco o facto de termos voltado à situação indesejável em que a abertura de concursos para projetos de I&D não é previsível e de termos taxas de financiamento que rondam os 6%! Isto quer dizer que 94% dos projetos são rejeitados, o que significa um tremendo desperdício de trabalho e esforço em conceber um projeto e de o colocar a concurso.
De facto, são necessárias taxas de sucesso de cerca de 20% para garantir uma seleção baseada no mérito (segundo um artigo de Shina Caroline Lynn Kamerlin publicado na revista EMBO Reports, de Março de 2022). Ou seja, abaixo desta taxa, há projetos excelentes financiados e outros recusados, com base em critérios necessariamente subjetivos. A FCT justificou o adiamento do concurso deste ano com o recurso a fundos europeus para aumentar o montante total do mesmo. Mas não deveríamos estar dependentes de fundos europeus para financiar os projetos nacionais de I&D, uma vez que já há financiamento competitivo da Comissão Europeia destinado à ciência.
Outro problema e que se arrasta há anos é o da precariedade na ciência. A profissão de investigador requer muitos anos de estudo, incluindo mestrado, doutoramento e, em muitas áreas, alguns anos de pós-doutoramento. E mesmo após todos estes anos de formação, pode continuar-se por mais alguns com contratos a termo certo antes de se conseguir uma posição permanente (quando se consegue). A título de exemplo, só consegui a minha 18 anos após o doutoramento (e 24 anos após a licenciatura). E a situação pode piorar sobremaneira já para o ano, quando a esmagadora maioria dos cerca de 1600 investigadores doutorados contratados ao abrigo da norma transitória do decreto-lei 57/2016 terminarem os seus contratos.
Olhando para o futuro, urge alterar estas situações e de forma estrutural. Mas, no final de contas, tudo é contingente ao financiamento disponível e a quanto estamos dispostos, como país e sociedade, a investir do Orçamento do Estado para a Ciência e Ensino Superior. Parece indiscutível que investir na geração de conhecimento, no estudo das doenças e da procura de novas terapias e em benefícios tecnológicos para a evolução e bem-estar da sociedade é sempre uma boa aposta. Aliás, na pandemia de covid-19 foi unânime a importância do papel da ciência no controlo da mesma e desenvolvimento de uma vacina em tempo recorde.
Mas se não tivermos um sistema científico robusto, não teremos capacidade de responder à próxima pandemia ou outros problemas emergentes. Por isso, é essencial discutirmos este assunto, sobretudo nesta altura em que nos preparamos para ter um novo governo, e quem se propõe a tal ser claro quanto às suas propostas. É que, apesar de tudo, faz-se ciência de elevadíssima qualidade em Portugal. E se o conseguimos com o magro financiamento existente, imagine-se com aquele que deveríamos e merecíamos ter.
O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico