Sexta-feira 8, dia de azar para Nicki Minaj

Para uma das melhores rappers de sempre, Pink Friday 2 significa regresso e regressão.

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Nicki Minaj nos VMA da MTV, em 2022 Theo Wargo/Getty Images para MTV/Paramount Global
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Quanto trabalho já adiantou hoje? Pouco? Nesse caso, evite o exemplo de Nicki Minaj, cujo novo álbum continuava em obras a quatro dias de sair. E a empreitada continuou depois do lançamento, no passado dia 8, com acrescentos e remendos, qual Sagrada Família ou The Life of Pablo, de (Kan)Ye (West).

Ao malogrado Ye, devemos agradecer o paradigma da obra eternamente incompleta e um dos versos superlativos do hip hop recente – que lhe saiu não da traqueia, mas pela culatra. Bastou dar a Minaj tempo de antena para disparar alguns tiros à queima-roupa, carnificina de alta costura – votando West ao esquecimento no seu próprio tema, e… Jay-Z pôs sequer os pés no estúdio? Monster (incluído em My Beautiful Dark Twisted Fantasy, de Kanye West), ponto abrasador de eloquência e egomania, foi o verdadeiro big bang do universo de Minaj: inteligência melódica e flow de mestre, alter egos à Eminem, sotaques e onomatopeias, o rosa e o choque.

Estreou-se em 2010 com Pink Friday, álbum tão sedento de sangue como da rádio: uma dualidade extremada em 2012 com Roman Reloaded, candidato a uma das experiências auditivas mais estrambólicas, agoniantes e geniais de sempre. Tão fluente como Lady Gaga na performance de uma pop ultradramática, agressiva e feminina, a iconoclasta legitimou-se, mulher negra, num mainstream pálido de branco.

Nicki Minaj pôs fim a quase uma década sem mulheres na proa do rap, depois da turma dos anos 90 se dissipar em rendimentos decrescentes. Hollywood levou Queen Latifah e Eve; Da Brat e MC Lyte nunca saíram do lugar do pendura. A dicção imaculada de Foxy Brown e a badalhoquice pioneira de Lil’ Kim, entre páginas de litígios e beefs, tornaram-se notas de rodapé; Lauryn Hill e até a mais resistente Missy Elliott desapareceram em combate.

Minaj estudou todas as lições – os trocadilhos de Elliott, o terror de Busta Rhymes, a agilidade de Lil Wayne – e fez-se grande. Ainda assim, se há um olimpo do rap, Minaj garante entrada pelas vendas e participações, mais do que pela discografia a solo. The Pinkprint (2014) sugeriu essa tomada de consciência, tentando moderar a palhaçada e deixar as rimas intactas. Em 2018, o desequilibrado Queen não fez tanto barulho como uma rixa com a rapper Cardi B: prova de que, se o complexo de Deus dá boas barras, também proporciona tristes figuras na Internet.

Pink Friday 2 não é uma dessas tragédias, mas não merece o título. Tudo no primeiro volume, embora longe de um clássico, era imprevisível e de alto impacto, dos jogos de palavras à produção. É certo que a “sequela” conta boas surpresas, como os subgraves aterradores de Fallin 4 u ou o acordeão desvairado em Forward from Trini... diluídas numa papa de trap requentado e algorítmico. Setenta minutos raramente maus, ainda mais raramente bons. Por cada pico de forma – leia-se Barbie dangerous, que Minaj ataca com tudo o que tem – há cinco pontos mortos.

As faixas à base de samples são, no mínimo, memoráveis. Calha bem ressuscitar os Junior Senior e evocar o ritmo diwali; depois há um karaoke de Cyndi Lauper, que… é só isso. Ah, e os Blondie transformados numa chiadeira: “Once I had a love and it was a gas”, parecendo, de facto, o som de Debbie Harry a ser gaseada. Não culpem o TikTok, Minaj sempre teve o condão de citações óbvias: desde 2010 com Video killed the radio star a Barbie girl em 2023.

Pink Friday 2 é, portanto, a segunda aproximação de Minaj ao cinema em 2023: depois da banda sonora de Barbie, o investimento em sequelas acessórias. Daquelas que, mesmo com a chave mágica de uma marca registada, não desactivam o alarme da falência criativa.


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