Dezembro, o derradeiro mês que nos leva a fechar mais um calendário. É difícil não sentir o tempo que passa. Demasiado rápido, muitos dirão. Mesmo que aprendamos a andar mais devagar, como a mulher sem nome da Natureza Urbana, de Joana Bértholo, temos sempre para aonde ir, onde estar. E isso encurta-nos o tempo. Cronos gostaria certamente que fizéssemos uma melhor governança dessa oferenda.
A definição do tempo cronológico e físico (os anos, os meses, as horas, os minutos, os segundos, etc.) é algo sobre o qual raras vezes reflectimos ou que investigamos. Registamos que nascemos numa segunda ou quinta-feira, de manhã ou à noite, entre um equinócio e um solstício. Espreguiçamo-nos mais devagar ao domingo, e o nosso pensar sobre a representação do tempo fica por aí.
A culpa não é nossa. Como afirma David Eagleman no seu livro Incógnito, temos um cérebro que gosta de nos facilitar a vida, "criando rotinas ocultas, escritas na indecifrável linguagem de programação das proteínas e neuroquímicos". A sobrevivência e a prosperidade do organismo são o seu maior interesse.
Apesar de Incógnito destronar o egocentrismo humano, obriga-nos ao dever do deslumbramento, de estarmos despertos para a riqueza do que nos rodeia. No caso dos escritores, isso significa, na prática, permanecer em modo Sherlock Holmes, reduzir o ritmo, andar mais devagar, sentidos aguçados, com orelha acesa às conversas alheias, manancial infinito de histórias e de conhecimento.
Foi em Braga, na visita cultural que me propus realizar após participar no Festival Literário Utopia (onde dinamizei uma sessão presencial do clube de leitura de que faço a curadoria há mais de três anos), que conheci S. Martinho de Dume e a curiosa história dos nossos dias da semana. Tudo pela boca da guia turística que esbracejava saber a um grupo de visitantes na Sé Catedral.
Se pensarmos no primeiro dos dias úteis da semana mais conhecidos por nós (monday, lundi, lunes, montag, lunedì, måndag), independentemente de a raiz ser germânica ou latina, percebemos que se fala da Lua. O mais comum são as referências à mitologia greco-latina relacionadas com os corpos celestes (Sol, Lua, Marte, Mercúrio, Júpiter, Vénus e Saturno).
Muitos outros referenciais culturais ou religiosos inspiram a sua designação pelo mundo fora. Em Portugal é diferente graças à intervenção divina de S. Martinho de Dume.
Nascido por volta de 520 e falecido em 579, S. Martinho de Dume foi a peça crucial no processo de cristianização do Noroeste da Península Ibérica, onde nasceram as nossas segundas, terças, quartas e restantes feiras. Somos distintos das outras línguas românicas, que conservaram as designações inspiradas nos nomes de deuses.
S. Martinho de Dume era um homem de mãos no fazer. Acreditava que o cristianismo só conseguiria vingar in situ, substituindo sinais pagãos por simbologia cristã, incluindo uma nova versão dos dias da semana. Feria secunda, feria tertia (e por aí fora), passaram na língua portuguesa, a segunda-feira, terça-feira, quarta-feira, etc.
Os nomes dos nossos dias úteis, que nos distinguem, vêm directamente do latim, de um latim litúrgico utilizado na Galécia, o que demonstra o poder da autoridade religiosa.
Este homem, que a Igreja santificou, desejava varrer para o esquecimento as demoníacas denominações pagãs. Não conseguiu na totalidade os seus intentos. Os meses do ano continuam a ser alusivos à mitologia greco-romana. Janeiro/Jano; fevereiro/Februare, rituais de purificação em honra de Plutão. Março/Marte; abril/Aprilis, a espuma do mar de onde nasceu Vénus; maio/Maia, mãe de Mercúrio. Junho/Juno ao culto imperial, Julho/Júlio César; Agosto/Augusto e à ordem dos meses do antigo calendário romano: Setembro/sétimo, Outubro/oitavo, Novembro/nono, Dezembro/décimo.
O que se aprende quando paramos e escutamos. O tempo ganha novas dimensões, novas interrogações: como seríamos, nós Portugueses, se estivéssemos, em cada dia da semana, mais próximos das divindades?