De Maputo a Taiwan, de Piny a Wayne McGregor, a humanidade vai dançar em Fevereiro no GUIdance
O 13.º Festival Internacional de Dança de Guimarães abre com Bantu, de Victor Hugo Pontes, e fecha com bulabulay mun?, do Tijmur Dance Theatre.
Não é a primeira vez que Victor Hugo Pontes (Guimarães, 1978) é chamado a abrir o festival de internacional dança da cidade que foi a sua primeira casa e que continua consistentemente a estimular, com encomendas e co-produções, o seu crescimento como coreógrafo. Mas o lugar a partir do qual o fará este ano, quando der início, com a sua mais recente peça, Bantu, ao 13.º GUIdance, é já bem outro.
Resultado de uma encomenda dos Estúdios Victor Córdon e do Camões – Centro Cultural Português em Maputo, o espectáculo estreado em Outubro forja e celebra uma comunidade multirracial exuberante. E nesse sentido antecipa e resume o espírito da “edição menos eurocêntrica de sempre do festival”, cujo lema será “A humanidade dança em Guimarães”, avança ao PÚBLICO o director artístico Rui Torrinha, comentando o programa agora anunciado.
O GUIdance que começa a 1 de Fevereiro no Centro Cultural Vila Flor com este encontro entre bailarinos portugueses e moçambicanos investidos numa descoberta mútua continuará, um dia depois, a inventariar os desenvolvimentos da cena coreográfica de Maputo. Tempo e Espaço: Os Solos da Marrabenta, a quase já histórica peça em que Panaibra Gabriel Canda reclama e contesta o ideal do corpo africano, apresenta-se a 2 de Fevereiro no Teatro Jordão. E logo a seguir, evidenciando irresistíveis contiguidades e complementaridades geográficas, cronológicas e temáticas, entra em cena Boca Fala Tropa, de Gio Lourenço: de Moçambique rumamos a Angola, do lugar de nascimento entramos na diáspora, dessa criação colonial que foi a marrabenta passamos à linguagem já plenamente autodeterminada do kuduro, contemporânea do tumulto da guerra civil.
Se as questões da representatividade que vêm atravessando o campo artístico nos últimos anos parecem incontornáveis à luz dos primeiros três espectáculos desta edição, Rui Torrinha diz que, mais do que afirmar lugares de fala, o GUIdance quer constituir “um lugar de presença e de existência”. A primeira semana, assume, “olha para África a partir de elementos de colaboração, presença e descendência”, e procura interrogar “que tipo de curiosidade temos sobre o longínquo” numa era em que “tudo parece tão próximo”.
O fim-de-semana de abertura completa-se, como habitualmente, com uma peça para famílias, O que é um problema, de Beatriz Valentim, e uma produção internacional de grande escala – UniVerse: A Dark Crystal Odyssey, do britânico Wayne McGregor, espectáculo sintonizado com as angústias pré-apocalípticas do Antropoceno. O actual coreógrafo residente do Royal Ballet e director da Bienal de Dança de Veneza estará de regresso ao festival onde em 2018 mostrou Autobiography.
No round seguinte, de 7 a 10 de Fevereiro, o GUIdance recebe três criações nacionais já com alguma rodagem, e pelo menos no primeiro caso em processo de transformação: .G rito, de Piny, Atlas da Boca, de Gaya de Medeiros, e Anda, Diana, de Diana Niepce. O director artístico explica que a escolha resulta de uma vontade de fixar “o que vai ficar”, em detrimento de uma busca “desenfreada” pelo novo. São, diz, “peças que se imporão na história da dança contemporânea em Portugal” e que afirmam vincadamente o tipo de “singularidades” artísticas que procura para um festival pouco interessado em “agendas”. Mesmo se as políticas que desenham – por exemplo no caso da artista trans brasileira Gaya de Medeiros – constituem em si próprias factor de mudança no campo das artes performativas portuguesas.
Para o fim, depois desse ponto da situação “doméstica”, ficarão duas visitas de Taiwan: o dueto Beings, pela companhia Shimmering Production, e bulabulay mun?, do grupo Tijmur Dance Theatre, reconstituição de um ataque japonês às comunidades indígenas do Sul do país que resgata e incorpora elementos da cultura ancestral Paiwan para fundar novos rituais comunitários.