O decénio 2011-2020 foi cheio de recordes, em que o impacto das alterações climáticas “aumentou dramaticamente”, segundo um comunicado da Organização Mundial de Meteorologia (OM), que, nesta terça-feira, em plena COP28 (a cimeira do clima que está a decorrer no Dubai), lança um relatório sobre o clima da Terra na última década. As conclusões não são optimistas.
Desta vez, depois de vários relatórios sobre 2023 que bateu sucessivos recordes pelos piores motivos, o olhar dos cientistas estendeu-se a uma década. “Desde os anos de 1990 que cada década tem sido mais quente do que a anterior e não vemos qualquer sinal imediato desta tendência se inverter”, disse o secretário-geral da OMM, Petteri Taalas, em comunicado.
Na última década, “houve mais países a registar temperaturas máximas recordes do que em qualquer outra década. O nosso oceano está a aquecer cada vez mais depressa e a taxa de subida do nível do mar quase duplicou em menos de uma geração. Estamos a perder a corrida para salvar os nossos glaciares e os lençóis de gelo”, acrescentou, resumindo algumas das mais importantes conclusões do documento.
Todos os anos, a OMM vai produzindo avaliações do estado do clima mundial. Ainda há poucos dias, a organização lançou um documento que mostrava que as temperaturas dos primeiros dez meses de 2023 levam a crer que este seja o ano mais quente desde que há registo, com uma média de temperatura atmosférica da Terra 1,4 graus Celsius acima da média do período pré-industrial. Aquele valor está perigosamente perto do patamar de 1,5 graus, a partir do qual o efeito do aquecimento global e das alterações climáticas passam a ter um impacto muito mais perigoso para a humanidade e para os ecossistemas.
Apesar de tudo indicar que 2023 será um ano recorde, será necessário esperar até ao início do próximo ano para esse facto ser confirmado. Contudo, este novo relatório que avalia a década passada providencia “uma perspectiva de longo termo e transcende a variabilidade anual do clima”, sublinha-se no comunicado. Ou seja, dá a ver, de uma forma mais clara, a tendência que está a ocorrer.
Nesse sentido, um dos resultados principais é sobre a temperatura. A média da temperatura terrestre daqueles dez anos foi de 1,10 graus acima dos valores médios entre 1850 e 1900 – um período que, para efeitos práticos, serve como equivalente ao período pré-industrial, antes da revolução iniciada na Inglaterra, que se alastrou por todo mundo, ter posto fábricas a emitir maciçamente gases como o dióxido de carbono (CO2), que estão na origem do aquecimento global.
“Esta situação deve-se, de forma inequívoca, às emissões de gases com efeito de estufa provenientes de actividades humanas”, sublinhou Petteri Taalas. Nesse sentido, é paradigmático o aumento de concentração do CO2 na atmosfera. Na década de 1990, a concentração média foi de 361,7 partes por milhão (ppm), na década seguinte foi de 380,3 ppm e na última década foi de 402 ppm.
Ainda mais preocupante foi o ritmo da subida daquele gás: passou de 1,5ppm por ano, entre 1991-2000, para 1,9ppm por ano, entre 2001-2010, para, finalmente, 2,4ppm por ano na última década. Ou seja, apesar de todos os avisos sobre as alterações climáticas, que foram sendo cada vez mais prementes ao longo das décadas, o mundo não conseguiu inverter a necessidade de combustíveis fósseis. Mas Petteri Taalas é taxativo: “Temos de cortar as emissões de gases com efeito de estufa como prioridade máxima do planeta, uma prioridade que se sobrepõe a tudo, a fim de evitar que as alterações climáticas fiquem fora de controlo.”
De acordo com o relatório, os seis anos mais quentes de sempre até agora foram entre 2011 e 2020, sendo que os dois anos mais quentes foram o de 2016, associado a uma temporada de El Niño (tal como aquela que o planeta está a viver em 2023), e o de 2020.
A nível do mar, o relatório destaca o aumento de calor acumulado nos oceanos da Terra e o aumento da sua acidez, por estar a absorver mais e mais CO2 atmosférico. Em contacto com a água, o CO2 transforma-se em ácido carbónico, “o que torna mais desafiador para os organismos marinhos produzirem e manterem as suas conchas e os seus esqueletos”, como os bivalves e outros moluscos, alerta-se no comunicado.
Outro aspecto ligado aos oceanos são as ondas de calor marinhas, muito faladas ao longo de 2023. Todos os anos, entre 2011 e 2020, pelo menos 60% dos oceanos viveram uma onda de calor.
Quilimanjaro sem gelo
O aquecimento global aumentou o derretimento dos reservatórios de gelo, o que se traduziu numa subida do nível médio do mar mais acelerada. Entre 2011 e 2020, o nível médio do mar aumentou 4,5 milímetros anualmente, um ritmo maior do que na década anterior, em que aumentou cerca de 2,9 milímetros por ano.
Esta perda de gelo resultou no desaparecimento de alguns glaciares terrestres. O documento antecipa que, até 2030, glaciares na Papua, na Indonésia, irão desaparecer, assim como os glaciares nas montanhas de Rwenzori (situados na fronteira entre o Uganda e a República Democrática do Congo) e do monte Quénia. Já o famoso Quilimanjaro, na Tanzânia, o mais alto de África, irá deixar de ter gelos permanentes até 2040, de acordo com as projecções do relatório.
O degelo também afecta as duas grandes massas de gelo não marinho da Terra: a Gronelândia e a Antárctida. Estes dois territórios albergam, ao todo, 29,5 milhões de quilómetros cúbicos de gelo, o equivalente a um cubo de gelo com cerca de 309 quilómetros de lado. Uma pequeníssima parte desse gelo já começou a derreter. Na última década, a Gronelândia perdeu 259 gigatoneladas por ano e a Antárctida perdeu 153 gigatoneladas por ano, um aumento de 38% em relação à década anterior.
Já o gelo marinho do Árctico sofreu uma diminuição, principalmente no Verão. A média da área de gelo marinho mínima do Árctico, que ocorre em Setembro, sofreu um decrescimento de 30% na última década, face ao período de 1981 a 2010. Ou seja, passou de uma média de 6,22 milhões de quilómetros quadrados para 4,37 milhões de quilómetros quadrados.
Embora a área média máxima do gelo do Árctico, que ocorre em Março, não tenha sofrido uma diminuição da mesma dimensão, a quantidade de gelo antigo, formado há quatro anos ou mais, reduziu significativamente. Em 1985, o gelo antigo perfazia 30% do Árctico, em 2010 já era menos de 10% e em 2020 tinha caído para 4,4%. Esta redução é acompanhada por um emagrecimento da espessura do gelo do Árctico, o que revela o estado precário deste sistema.
Menos mortes, mas mais destruição
Os eventos extremos associados ao clima foram responsáveis por 94% de todos os desastres que obrigaram ao deslocamento de pessoas. Estes desastres tiveram influência no retrocesso que houve a nível dos “esforços para acabar com a fome, a insegurança alimentar e a má nutrição”, lê-se no comunicado. “Pela primeira vez, este relatório demonstra uma ligação concreta entre os eventos extremos e o desenvolvimento” dos países, adianta.
Apesar de as catástrofes que o mundo viveu na última década terem produzido as maiores perdas económicas de sempre, o número de mortes associadas àqueles eventos diminuiu. Isso foi possível graças aos sistemas de alerta precoce que foram sendo implementados. Desse modo, foi a primeira vez, desde 1950, que não houve um único evento de curta duração que tenha morto 10.000 pessoas ou mais.
Ainda assim, as ondas de calor surpreendem pela sua mortalidade. Dos 13 fenómenos da última década que resultaram em mais de 1000 mortes, seis foram ondas de calor, quatro foram inundações ou derrocadas associadas às monções e três foram provocados por ciclones tropicais. Por outro lado, os maiores custos estão associados a eventos como os ciclones tropicais.
“O nosso clima está a tornar-se mais extremo, com um impacto no desenvolvimento socioeconómico claro e demonstrável. As secas, as ondas de calor, as inundações, os ciclones tropicais e os incêndios florestais danificam as infra-estruturas, destroem as colheitas agrícolas, limitam o abastecimento de água e provocam deslocações em massa”, descreveu Petteri Taalas. “Numerosos estudos mostram que, em particular, o risco de calor intenso aumentou significativamente na última década.”
Há, porém, um segundo ponto positivo no relatório: o buraco do ozono, que continua a diminuir. “Os valores totais de ozono na Antárctida estão projectados a voltar aos valores de 1980 por volta de 2065”, de acordo com o comunicado. Mas mesmo que o buraco do ozono esteja resolvido por essa altura, a habitabilidade da Terra vai estar directamente relacionado com o estado do clima e dos ecossistemas, o que dependerá do rumo que a humanidade tomar nos próximos anos.