Não fomos derrotados, nem nunca seremos — foi este o mote que ecoou por toda a COP27, em 2022. Peguemos nele de novo agora que a COP28, a conferência das Nações Unidas para as Alterações Climáticas deste ano, está a começar nos Emirados Árabes Unidos. Será a minha quarta COP. A quarta vez que me junto a activistas e especialistas de todo o globo para exigir justiça climática, acompanhando as negociações que vão decorrer e trabalhando para as influenciar.
Esta cimeira acontece após um ano de eventos climáticos catastróficos, em que foram quebrados dois tipos de recordes: por um lado, recordes de temperatura; por outro, recordes de lucro de petrolíferas. Chega a ser trágico-cómico: seremos todos nós ávidos crentes em coincidências ou terão estes recordes algo a ver um com o outro?
O Verão de 2023 foi o mais quente da Terra desde o início dos registos globais em 1880, de acordo com os estudos do Instituto Goddard de Estudos Espaciais (GISS) da NASA. Quase metade (42%) das emissões de gases de efeito estufa (GEE) que contribuíram para a crise climática nos últimos 125 anos ocorreram desde 1990, quando as negociações climáticas na ONU começaram. Trinta anos de negociações. O que têm para mostrar, para além de uma crise climática a agravar ano após ano?
A verdade é que as COPs têm sido campos férteis para os interesses fósseis. Olhando apenas para as últimas duas cimeiras nas quais fui delegada: na COP26 houve 503 delegados da indústria fóssil, na COP27 um total de 636. Tudo indica que este número aumentará exponencialmente este ano, sendo o presidente da COP28 nada mais nada menos que Sultan al-Jaber, chefe da empresa petrolífera estatal dos Emirados Árabes Unidos, a Adnoc.
Em vésperas do começo da cimeira, não é que o que todos receávamos se revelou verdade? Segundo a BBC, os EAU planeavam, de facto, usar o seu papel de anfitriões da COP para discutir e fechar negócios de gás natural e petróleo; Jaber planeava reuniões com pelo menos 27 governos, incluindo 15 países com os quais a ADNOC quer trabalhar para extrair combustíveis fósseis. Ora: numa conferência que visa reduzir as emissões globais, a sua presidência tenta discutir em paralelo projectos que as aumentarão.
Também este ano, pela primeira vez, Portugal vai ter um pavilhão em nome próprio. A sua inauguração será a 1 de Dezembro e contará com o primeiro-ministro, António Costa, e com o ministro do Ambiente e Acção Climática, Duarte Cordeiro. Com certeza não irão destacar as suas participações em conferências sobre energias verdes mas que são patrocinadas por empresas como a GALP (que no ano passado conseguiu o seu maior lucro de sempre graças aos combustíveis fósseis); com certeza não falarão sobre alegados casos de corrupção em projectos de energia nem sobre a influência da indústria fóssil nas decisões relativas a investimento público; com certeza não falarão sobre a repressão do direito ao protesto nem sobre a violência policial para com jovens activistas e estudantes.
Como não poderia faltar, segundo um documento provisório, uma das empresas representadas neste pavilhão será a EDP: a mesma que continua a lucrar com a produção de electricidade através de gás fóssil, bloqueando uma transição justa real para energias renováveis. Parece que este será mais um palco para o teatro a que já estamos habituados.
Vivemos tempos distópicos, num mundo distópico. Um mundo distópico em que continuamos a investir em combustíveis fósseis mesmo sabendo que nos estão a destruir. Um mundo distópico em que uma conferência sobre alterações climáticas acontece num país que é um dos principais membros da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEC).
Com foco em temas como financiamento, perdas e danos, transição justa e o fim dos combustíveis fósseis, seguirei o que se passa dentro desta cimeira: desde o progresso (ou não) das negociações, às exigências e acções da sociedade civil. Já nada temos a perder; é hora de tornar o impossível inevitável. Por todos nós.