Azul
Porque é que ninguém liga às notícias da COP? A hierarquia do medo
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Recuso-me a acreditar que os leitores do PÚBLICO não se importam com o actual estado do mundo. Recuso-me a acreditar que os leitores do PÚBLICO duvidam das alterações climáticas. Recuso-me a acreditar que alguém que tenha estado acordado em 2023 ainda ache que a crise climática é algo distante que poderá acontecer no futuro. Recuso-me ainda a aceitar que já seja demasiado tarde para mudar. Mas então porque é que parece haver tão pouca gente interessada nas notícias da mais importante cimeira do clima anual?
Não sabemos. Não temos certezas, só temos suspeitas. E foi com base nas nossas suspeitas que decidimos tentar contrariar este aparente desinteresse dos nossos leitores, sustentado nos números de pageviews e outros indicadores das anteriores edições. Decidimos então fazer algo diferente. Procurar a COP28 em Portugal, perto de nós. Aqui e agora.
O problema não é novo para jornalistas, cientistas, comunicadores de ciências e até líderes políticos ou empresariais. É algo estranho, mas real. As alterações climáticas estão mais agudas que nunca e as pessoas não parecem interessadas nas notícias sobre o clima, sobre os relatórios, reflexões sobre as diferenças com um passado recente e cenários para um futuro mais ou menos previsível.
A hipótese mais popular cai na fadiga climática. Muitas pessoas estão fartas de ouvir falar nestes temas. A fadiga de notícias sobre alterações climáticas (e outros temas importantes, como a guerra e a política nacional) está documentada, como nos diz o relatório Digital News Report 2023. Mas há quem invoque também a hierarquia do medo. O que nos amedronta mais é o que acontece na nossa família, seguindo-se o que se passa no nosso bairro ou cidade, depois o nosso país e, por fim, o nosso planeta. Mais complexa e mais rebuscada será a teoria que sustenta que o nosso cérebro é sobretudo atraído pelo perigo próximo – algo de instinto animal. Assim, uma ameaça distante, a longo prazo, acabaria por ficar arrumada pelo nosso sistema biológico na prateleira da desatenção.
Os nossos leitores têm ajudado a confirmar esta tese. Importa-lhes mais o que é próximo. E quando o assunto é uma cimeira distante cheia de gente engravatada e aperaltada para subir a um palco prometendo que quer salvar o mundo, dispondo-se a colocar uma parte dessa ambição, preto no branco, num compromisso em papel que nunca chega a mudar as nossas vidas, é de esperar pouco interesse. Sobretudo quando, cimeira após cimeira, sobram os relatos de desilusão pelo passo lento nesta crise mais urgente da nossa geração. Estamos numa encruzilhada e ninguém gosta de ficar aí.
Assim, somos até capazes de compreender o desinteresse, mas não vamos desistir por isso. A crise climática está cheia de más notícias e soluções difíceis, é deprimente, brutalmente injusta fazendo sofrer mais os mais vulneráveis e menos culpados pela catástrofe e as projecções são assustadoras – mas se há alguma coisa que não podemos fazer é deixar de falar sobre isto. Não vamos falar mais baixo. Vamos falar mais perto.
A 28.º Cimeira do Clima começou esta quinta-feira no Dubai e nos últimos dias já fomos abrindo esta porta, informando-o sobre as principais discussões e negociações em cima da mesa. Não desista de continuar a ler este texto. Não vamos chateá-lo agora com isso. Pode ler este ou outro artigo já publicado. Queremos avisá-lo que, desta vez, pode ser diferente. Que, sem desprezar os compromissos importantes e urgentes que se esperam dos líderes do mundo sobre a crise climática, quase podemos dizer que vamos usar a COP como um pretexto. No Azul, a COP passa-se (também) aqui e agora.
Começámos, perdoem-me a falta de modéstia, bastante bem. Hoje no PÚBLICO pode saber mais sobre o que se passa aqui e agora na nossa indústria num texto de Victor Ferreira que nos mostra um pequeno universo de empresas muito pouco interessadas em descarbonizar ou, pelo menos, a investir dinheiro nisso. Apenas 2,2% da indústria portuguesa pediu apoios públicos do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) para descarbonização. Lembrámos a devastação do recordista ano de 2023 e explicámos quem vai representar Portugal na cimeira. E, com a ajuda da Rita Siza, correspondente em Bruxelas, apresentámos os resultados da estratégia da União Europeia, o bom aluno que chega à COP com o trabalho de casa feito.
Faremos mais. Mais sobre o que se negoceia no Dubai e o que se vive aqui e agora. A transição energética é urgente? Vamos tentar mostrar-lhe o que estamos a fazer por isso em Portugal. Um dos males do planeta é a seca? Vamos então falar-lhe sobre a vida de alguns agricultores na zona de Odemira que será um dos lugares mais afectados pela escassez de água no nosso país.
Mas não há bons exemplos, boas práticas, que permitam que as pessoas possam ajudar a resolver problemas? Sim, por isso trazemos apenas um dos muitos projectos que crescem em Portugal para acordar e envolver as gentes da nossa terra nesta causa. Deixamos o suspense no ar com a expressão "águas gémeas". A crise climática está a angustiar as novas e velhas gerações? Fomos ouvir portugueses que sentem esta ansiedade e especialistas que a investigam. Para quem não fica angustiado com esta crise que atravessamos, vamos ter um jogo interactivo mostrando-lhe como estava o mundo, a sua febre e outros indicadores, no ano em que nasceu.
Há mais. Sobre a mobilidade? Vamos então contar como andamos (literalmente) nas nossas cidades e no interior, identificando obstáculos e soluções. Olhar para a rede de transportes públicos em Portugal e comprar com outros países. Sobre um novo mundo agrícola que tem de ser reinventado para se adaptar a um clima em mudança e ser capaz de sustentar e alimentar um planeta inteiro? Falaremos sobre isso.
Por onde anda o Plano Nacional de Energia e Clima, que resulta do Acordo de Paris e sobretudo do plano europeu. Vamos olhar para as nossas ambiciosas metas. E as centrais solares e eólicas em Portugal que parecem nascer como cogumelos no território português?
Vamos fazer de tudo para chamar a sua atenção para os problemas que motivam as anuais cimeiras climáticas. Vamos usar o vídeo, infografias, podcasts e, com expectativa, abrir a porta aos leitores convidando-as a comentar as nossas notícias e a esclarecer as suas dúvidas. Seguindo o guião do que se passa no Dubai onde contamos com a nossa especial enviada do Azul, Aline Flor, não nos vamos limitar a fazer eco dos avisos que cheguem dos Emirados Árabes Unidos. Vamos também falar muito sobre o que se passa em Portugal. Aqui e agora.
P.S. Temos duas boas notícias. Primeira: o PÚBLICO venceu seis Prémios de Ciberjornalismo do Obciber, sendo que um deles distingue um vídeo do Azul sobre erosão costeira. O nosso trabalho vencedor pode ser visto aqui. Segunda: o Azul também tem a partir de hoje uma homepage com um novo grafismo. É um novo espaço onde pode acompanhar as histórias do nosso planeta: desde a crise climática ao ambiente, sustentabilidade e biodiversidade. Pode espreitar aqui.