O leitor quando leu o título deste artigo talvez tenha ficado confuso perante a escolha de palavras: como assim o “meu” mérito pode ser um produto colectivo?
A verdade é que, do meu ponto de vista, a ideia romantizada de que o meu sucesso se deve unicamente ao meu trabalho não é real. Desconstruir esta ideia pode ser a solução para edificarmos uma comunidade de pessoas que não se olham como estranhas e inimigas, mas sim como vizinhas e amigas.
Para isso, vamos por partes. Primeiro, por que razão haveria eu de acreditar que o meu sucesso não depende unicamente do meu esforço pessoal?
Pensemos num exemplo prático. O Manuel é um rapaz que nasceu em Oeiras e que faz parte de uma família que tem uma empresa centenária de cerâmica bastante conhecida no nosso país. Mais tarde, o Manuel ingressou na Universidade Católica Portuguesa, na licenciatura em Gestão, tendo, posteriormente, feito o seu mestrado na Universidade de Oxford.
Quando voltou para Portugal, começou a gerir a empresa familiar, aumentando-lhe os lucros, devido às práticas inovadoras que aprendeu durante o seu percurso académico. Tendo em conta este exemplo prático, será que podemos dizer que o sucesso pessoal do Manuel dependeu sempre e unicamente do seu esforço e trabalho?
A meu ver, a resposta é definitivamente não, dado que o Manuel, por mais esforço que tenha tido, teve sempre todas as condições para impulsionar o seu trabalho. Nesse sentido, será que o Manuel teria tanto sucesso se não tivesse nascido numa família como a que nasceu? Talvez não, dado que os números que surgem na nossa conta bancária, o local onde nascemos e outros tantos factores ainda condicionam e determinam a nossa vida em Portugal.
Com esta reflexão não quero afirmar que não devemos olhar para o mérito e o sucesso como aquilo que faz a nossa sociedade avançar. Acredito é que a questão não é se deve ou não existir uma sociedade baseada no mérito — porque acredito sinceramente nas suas vantagens —, mas antes se devemos desconstruir o conceito de “mérito” tal como o conhecemos hoje para passarmos a entender o mérito como um sucesso colectivo.
Chegamos assim à segunda questão: mas, então, por que razão é importante entendermos que o nosso mérito é um “sucesso colectivo”?
No momento em que considerarmos que o nosso mérito é um sucesso colectivo, tenho a certeza que não iremos olhar para os outros como competição, como se a vida fosse uma corrida de cavalos, mas sim como pessoas que podem contribuir para o meu sucesso e vice-versa. Considerarmos esta ideia irá dotar-nos da capacidade de edificar uma comunidade de pessoas unidas e isso poderá ser a solução para muitos dos problemas que hoje, enquanto sociedade, atravessamos.
Como tal, no seguimento dessa ideia, termos em consideração que somos uma verdadeira comunidade de pessoas irá acabar com a ideia de que, por exemplo, os trabalhadores de limpeza ou os assistentes operacionais numa escola são pessoas sem mérito, sem sucesso e sem esforço. Olhar para estas pessoas desta forma corrói esse sentimento de comunidade e de pertença, que deveriam ser pilares fundamentais no funcionamento da nossa sociedade.
E afirmo-o porque, se basearmos a nossa sociedade na ideia do “mérito” tal como a consideramos hoje, estamos a dizer a essas pessoas que não são CEO, nem advogados de sucesso, nem economistas que comentam na televisão que não contribuem de modo significativo para a nossa comunidade. Este sentimento, como referi, não só corrói a ideia de comunidade como alimenta extremismos políticos, que alimentam a ideia de que as elites políticas não querem saber daqueles que são a base da nossa sociedade e que os olham com desprezo.
Em suma, espero que o leitor quando terminar de ler este artigo entenda que o seu mérito, que é seu naturalmente, foi construído por tantas pessoas que talvez nem consigamos imaginar, e que entendermos o nosso mérito dessa forma irá fazer com que seja possível construirmos um futuro que será também ele colectivo e não apenas individual.