“Ó stora, carrego onde agora?”
A literacia digital dos adolescentes é ainda pouco fluida e madura. A sua capacidade de resolução de problemas é pouca, mesmo fora do digital e agrava-se com a obrigatoriedade de usar o computador.
A literacia digital dos nossos alunos do 3.º ciclo do ensino básico não vai muito além do uso do telemóvel pessoal e das aplicações sociais que lhes preenchem a maior parte do tempo e da vida.
Se em algumas escolas se insiste no digital todo o tempo noutras existem dias próprios, estipulados no calendário, para se trabalhar o digital, e chamam-se ‘Dia sem Papel’. Os alunos trazem os kits tecnológicos fornecidos pela escola ou o portátil lá de casa, para os que o têm e os pais/encarregados de educação, deixam. Os professores preparam aulas onde todas as actividades propostas devem ser feitas através do computador, mesmo nas disciplinas mais práticas.
Os exercícios são propostos na sua maioria através da plataforma digital que a escola escolheu, na sua maioria as ferramentas da Google, e o dito Classroom, que ficou dos tempos da pandemia.
O grande desafio começa logo em ter que ligar a Internet no portátil. “Como vou ligar a internet? Onde ponho o cartão? Como ponho o cartão? Como fazer com que o cartão funcione? Não sei onde por, não entra, não sei como por, não funciona. Ó professora, não funciona! Tenho dados móveis no telemóvel, posso partilhar?”
Se o desafio passa por responder ou seguir algumas orientações e trabalhar em determinado tipo de ficheiros, por exemplo uma apresentação de slides ou uma folha de cálculo, a coisa complica-se. Se for procurar na Internet, até fazem bem; mas trabalhar num determinado tipo de ficheiros, já é muito complicado. Abrir, inserir mais slides, páginas, linhas, células, formatar, inserir texto, formatar texto imagens, enviar, escrever um email, anexar um ficheiro, escrever o corpo do email de modo formal, terminar e assinar; são um sem número de tarefas capazes de os levar à exaustão e à exasperação. Curiosamente o que mais conseguem verbalizar é copiar e colar: CTRL-C – CTRL-V. Ficou na memória desde 2019/2020.
A literacia digital dos nossos adolescentes é ainda pouco fluida e madura. A sua capacidade de resolução de problemas é pouca, mesmo fora do digital e agrava-se um pouco com a obrigatoriedade de usar o computador. Alguns preferem realizar as tarefas propostas no telemóvel. Sempre é um aparelho que lhes é mais familiar. No entanto, a sua destreza vai pouco além das redes sociais e das mensagens que enviam a toda a hora. O computador como objecto de trabalho é estranho, nada prático e muito pouco friendly. Alguns martelam literalmente o teclado, com o indicador na vertical, à procura de cada letra.
Estas aulas são uma descoberta de camaradagem, companheirismo, entreajuda, e humildade. Curiosamente todos ou quase todos se compreendem e entreajudam. Ninguém tem vergonha de dizer que não sabe como fazer; e quando um avança, avançam todos pela partilha que praticam. São momentos de aprendizagem da utilização das ferramentas digitais e de saudável interacção e partilha, de crescimento e construção de conhecimentos, em contexto de sala de aula.
Curiosamente, são, na generalidade, os alunos com mais dificuldades de concretização dos desafios e problemas propostos em aulas ‘normais’, que nestas aulas contribuem com mais inputs positivos e desbloqueadores dos problemas propostos por via digital. É também a oportunidade de todos vermos que cada um tem sempre algo de muito positivo a contribuir para o grupo e que não somos sempre ‘maus’ alunos ou sempre ‘bons’ alunos.
A literacia digital dos adolescentes terá de ver melhores dias. Será que o uso dos telemóveis pode contribuir para aumentar este tipo de literacia? Se for para usar determinadas ferramentas ditas ‘de trabalho’, com toda a certeza que sim. O desafio está aí: será que o telemóvel pode ser utilizado como instrumento de desenvolvimento da literacia digital para ferramentas de trabalho? Será que o tempo desta aprendizagem pode ser outro?