A igualdade de género e a fiscalidade entram na mesma sala

O sistema fiscal português demonstra-se um sistema deficitário, obsoleto e insensato, não olhando, devidamente, para as particularidades sociais da mulher.

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Megafone P3: A igualdade de género e a fiscalidade entram na mesma sala SHVETS production/Pexels
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É difícil ignorar a crescente preocupação dos portugueses perante as injustiças sociais que se fazem sentir, actualmente, no nosso país. Mais difícil é ignorar a excessiva carga fiscal a que estamos sujeitos, recebendo um ordenado médio precário, quando comparado com os valores que se praticam nos demais países da União Europeia.

O actual debate político e fiscal tem trazido a palco a necessidade de adequar e ajustar o sistema fiscal às principais diferenças socioeconómicas dos contribuintes. É válido perguntar, então, se o género dos contribuintes é uma característica relevante para a questão. Rapidamente conseguimos dar resposta a esta pergunta.

Desde o desigual acesso da mulher ao mercado de trabalho na economia formal, à constante desigualdade salarial entre pares, à persistência da mulher na economia informal, principalmente enquanto a principal prestadora de cuidados familiares, percebemos que o sistema tributário português é cego às questões quase que exclusivas à mulher portuguesa.

Ainda hoje, a prestação de cuidados não remunerados e o trabalho doméstico são encarados como uma responsabilidade da mulher no seio familiar, desacreditando o seu valor económico no mercado formal e aumentando o seu risco de pobreza, exclusão social e dependência financeira. De facto, a Organização Internacional do Trabalho considerava, em 2019, que seriam necessários 209 anos para inverter esta situação.

Mas a lista não pára aqui. Apenas no Orçamento de Estado para 2022 é que se procedeu à alteração do Código do IVA, de forma que todos os produtos menstruais estejam associados a uma taxa de IVA de 6%. Durante mais anos do que aquilo que é aceitável, os produtos menstruais, em Portugal, eram considerados um bem de luxo, sobrecarregando o orçamento mensal da mulher portuguesa, expondo-a à pobreza menstrual, muitas vezes ignorada no actual debate político. Esta é uma questão gritante que afecta, ainda hoje, a saúde, o quotidiano, o bem-estar e a própria dignidade da mulher.

A 15 de Janeiro de 2019, a resolução do Parlamento Europeu sobre a igualdade de género e as políticas fiscais na EU destacava determinadas medidas essenciais para colmatar a discriminação tributária, no que diz respeito à tributação directa e indirecta. Porém, quatro anos depois, pouco esforço foi feito pelos nossos agentes políticos para que esta questão se torne um tópico relevante aquando do desenho da lei fiscal.

Assim, o sistema fiscal português demonstra-se um sistema deficitário, obsoleto e insensato, não olhando, devidamente, para as particularidades sociais da mulher, e exigindo uma tributação desproporcional aos seus rendimentos disponíveis, colocando-a numa situação adversa. Pode-se mesmo dizer o sistema tributário português não é cego, mas só não quer prestar a devida atenção ao género do contribuinte.

Porém, globalmente, esta temática não está esquecida. O Prémio Nobel da Economia para o ano de 2023 foi atribuído à investigadora e economista norte-americana Claudia Goldin pelo seu contributo no estudo da disparidade de género no mercado de trabalho, destacando, uma vez mais, a importância que esta característica social deveria ter nas políticas públicas nacionais e comunitárias. A igualdade de género e a fiscalidade entram na mesma sala e, agora, têm de se tornar amigas.

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