No País dos arquitectos: Casa em Monsaraz
O podcast No País dos Arquitectos é um dos parceiros da Rede PÚBLICO. Segue-nos nas plataformas habituais.
No 68.º episódio do podcast “No País dos Arquitectos”, Sara Nunes, da produtora de filmes de arquitectura Building Pictures, conversa com o arquitecto Manuel Aires Mateus, do atelier Aires Mateus e Associados, sobre a Casa em Monsaraz.
Como os pais são do Alentejo, o arquitecto criou uma forte ligação a este território e tem aí desenvolvido vários projectos: “Temos usado bastante o Alentejo como uma plataforma de experimentação. Aquela região, para nós, tem sido bastante generosa”, lembra.
Durante a conversa, o arquitecto recorda que a Casa em Monsaraz só foi possível porque anteriormente já existia uma outra no mesmo lugar: “Enquanto esteve parada, a casa era uma espécie de mistério. Dizia-se que seria um lugar para observar as estrelas. [Outros referiam] que [haveria ali] uma instalação militar. Havia várias histórias acerca daquele bunker em betão e isso também criou para nós um interesse especial. Na verdade, era uma casa furtiva que as pessoas mal viam e construíam histórias [acerca dela].”
Inicialmente, Aires Mateus desenhou-a como casa particular, mas acabou por se tornar num projecto de alojamento turístico: “É dos nossos projectos preferidos e quisemos protegê-lo desde o princípio. [Voltamos] à casa não olhando para uma continuidade, mas para a ideia daquela ruína com uma nova realidade.” Actualmente a paisagem ocupa um lugar central e a ligação com a fauna e a flora também fazem parte da experiência: “O Alqueva tem um impacto gigantesco na zona. (...) E a casa, pretendendo tirar partido da existência desse lago, desenha-se virada para ele. Mas, para além disso, também [há] a presença daquele Alentejo tradicional com uma paisagem muito carregada [de árvores] (...), de um verde denso. (...) É nesse contexto que a casa nasce, partindo até de um certo respeito por um lado telúrico, que é também cultural. (...) [O projecto] ensinou-nos muito sobre este lugar de protecção, da casa como lugar de refúgio. Aquela casa é desenhada como refúgio.”
Deixando-se camuflar pela natureza, o edificado deixa apenas visível um pátio com uma cúpula. Através de umas escadas, desce-se para os quartos que, embora estejam enterrados, são iluminados por pátios: “De um dos lados, [a casa] não se vê porque está enterrada (...) e do outro lado, em que a sala e a cozinha saem para aquele grande calote, tem um impacto visual muito baixo [na paisagem].” Para o arquitecto este era um ponto determinante no projecto e considera que o país também deveria começar a reflectir sobre esta “condição”: “Temos de fundir [as casas] na paisagem (...) para que a predominância da natureza seja maior do que os outros elementos. (...) A maior parte dos parques naturais são obrigados a [pintar as casas de] branco e é uma pena porque não há espaço para deixar a natureza respirar se não nos integrarmos na natureza”, defende.
Contrariando a ideia de que os arquitectos apenas projectam casas, Manuel Aires Mateus acredita que o somatório de todas as partes é que compõe um edifício. Esse pensamento está visível na sua arquitectura e nos vários trabalhos de interiores desenvolvidos pelo atelier: “Há muitas culturas que têm uma fase de arquitectura e uma fase de interiores, algo um pouco absurdo porque um edifício faz sentido quando é tomado como um todo. [Nos projectos] começámos a perceber que as pessoas têm dificuldade em fazer [os interiores] e nós conseguimos fazê-lo, economizando dinheiro e obtendo melhores resultados.”
O arquitecto garante que este é um sector com grande potencial de crescimento, mas verifica que, em Portugal, ainda há um longo caminho a percorrer: “A produção portuguesa não está preparada para trabalhar com o Design. (...) E isto é um problema que se sente em todas as coisas. Na arquitectura, obviamente, sente-se. É uma evolução que o país tem necessariamente de fazer.”
A pensar numa ideia de progresso, Manuel Aires Mateus fala sobre a importância da liberdade nos espaços: “O arquitecto não pensa no lugar, o arquitecto pensa na vida. (...) Nós pensamos como é que as pessoas habitam as casas, quais são as suas possibilidades. Pensamos na liberdade das pessoas utilizar [os espaços], na maneira como podem transformar tudo porque também é muito importante que os espaços tenham essa liberdade. Se os espaços não tiverem liberdade, nós passamos a ter uma vida quase funcional, o que é horrível. Tudo na nossa vida que é funcional é horrível. O que é bom é aquilo que tem liberdade.” À luz deste pensamento, Manuel Aires Mateus observa que as novas gerações estão mais abertas a experienciar esta liberdade e agrada-lhe a nova forma de despojamento que as camadas mais jovens encontraram: “[O facto] das pessoas não quererem carregar coisas é uma ideia de despojamento. (...) É uma liberdade maravilhosa. (....) E acho que as novas gerações estão mais capazes de o fazer. (...) Eu acredito muito nas novas gerações.”
Para saber mais sobre a Casa em Monsaraz e a importância do respeito pela paisagem, ouça a entrevista na íntegra.