Igualdade de género
Não havia imagens de surfistas negras. Agora, há um documentário para contar a história delas
A Betclic, a Shutterstock e as SOMA perceberam que não havia surfistas negras nos bancos de imagens. E quiseram mudar o cenário.
Com um balde cheio de bolachas de coco, Zezinha espera multiplicar as duas dobras que custa cada uma numa quantia razoável para ajudar nas contas de casa. "A minha mãe está cansada, tem uma deficiência, tenho que fazer isto para termos o que comer", conta. Os irmãos estão a viver na cidade, e foi ela que, aos 19 anos, ficou encarregada de conseguir algum sustento e cuidar do lar em Santana, uma vila em São Tomé e Príncipe.
Estamos no centro social da vila e já se sente o entusiasmo. É a estreia do documentário onde as raparigas de Santana são as protagonistas. O filme conta as suas histórias e como elas mudaram depois do nascimento da organização Surfistas Orgulhosas na Mulher d'África (SOMA), pelas mãos de Francisca Sequeira que tenta, através da terapia do surf, empoderar estas raparigas que vivem num dos países com maior desigualdade de género do mundo, e libertá-las das tarefas domésticas, contribuindo para a sua educação.
“O que é a representatividade?”, começa por perguntar Francisca a uma audiência agitada. Não são só as participantes que estão aqui para assistir, vieram também os irmãos e algumas mães. “É possível uma pessoa sem braços e sem pernas surfar?”, continua. A resposta é unânime: não. Mas Francisca mostra um vídeo que contraria a resposta. “Vocês achavam que não era possível porque nunca tinham visto, até agora. E se há quatro anos vos perguntassem se era possível uma mulher de São Tomé surfar? Se calhar vocês diziam que não, mas com este filme já podemos dizer que sim.”
Talvez não fosse só para as raparigas de São Tomé que esta invisibilidade existia. A verdade é que não existiam, até agora, imagens de mulheres negras a surfar nos diferentes bancos de imagens. A lacuna foi notada quando as SOMA contactaram a Coming Soon para fazer material promocional para a organização e perceberam que esse material simplesmente não existia. A partir daqui, a agência de publicidade desafiou a Shutterstock e a Betclic (que já contava histórias que "desafiam as probabilidades" com a assinatura Desafia as Odds) para que, juntas, pudessem mudar o cenário.
Em Junho, uma equipa voou para São Tomé e nasceram assim 130 fotografias e 30 vídeos destas raparigas negras a surfar, já disponíveis na Shutterstock e cujas receitas irão reverter para as SOMA. Além delas, foi realizado este documentário que Francisca apresenta, Surfing Through the Odds, que mostra o impacto que este projecto teve na comunidade, 90 raparigas formadas depois.
“Este filme também serve para que todas as pessoas no mundo possam apoiar as mulheres africanas a surfar. Vocês devem estar muito orgulhosas. Vocês tiveram a coragem, a motivação e a persistência para continuar a surfar, não só as ondas do mar, mas as ondas da vida”, atira Francisca, antes de pedir um aplauso para as raparigas que se levantam para o receber.
O filme começa e não há muitos momentos de silêncio. Gargalhadas irrompem cada vez que aparece a cara da amiga, ou a própria. No final, Leonora, há três anos a participar nas actividades das SOMA, diz ter gostado: “Foi a primeira vez que participei num filme.” A mãe, Chiná, esteve o tempo todo de sorriso aberto: "[Desde que está nas SOMA] Melhorou na escola, nas tarefas de casa, no comportamento. Quando é o momento de ir para a SOMA eu, como mãe, faço as tarefas em casa, não me importo", diz.
Quem não ficou tão feliz foi Zezinha, que queria ter aparecido mais do que uma vez no filme. Agora maior de idade, já não pode participar nas actividades das SOMA, mas não foi abandonada. No final da sessão, Francisca oferece-lhe uma prenda: uma toalha, caderno e canetas. Para escrever os prós e os contras das possibilidades que tem agora: trabalhar, estudar ou integrar o programa profissional das SOMA, que presta apoio ao empreendedorismo e ajuda as raparigas a criarem o seu próprio negócio. Tem de pensar no que quer fazer e depois conversam, afiança Francisca.
Para já, Zezinha tem andado à procura de trabalho na cidade, para pagar os estudos em psicologia ou acção social. E para ajudar em casa. Ainda que o balde das bolachas volte vazio para casa, o que vai gerar dinheiro amanhã?
A jornalista viajou a convite da Betclic Portugal.