A aldeia ucraniana de Hroza fez o primeiro de dezenas de funerais que vai ter nos próximos dias
Mais de 50 pessoas — ou um sexto da população — morreram após um ataque a uma cerimónia fúnebre. Muitos corpos estão desfigurados e por identificar.
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O marido e a mulher foram postos em caixões idênticos; ambos foram cobertos de veludo verde e embrulhados com um tecido azul e dourado.
Com a chuva a cair sobre a pequena multidão reunida no cemitério, Mikola e Tetiana Androsovich foram gentilmente colocados lado a lado, tornando-se as primeiras vítimas do ataque mortífero de quinta-feira a uma cerimónia fúnebre a serem enterrados.
O ataque com um míssil, no Nordeste da Ucrânia, matou pelo 52 pessoas, cerca de um sexto da população de uma aldeia que não tem nenhum aparente valor estratégico na guerra e que está localizada a 30 milhas [cerca de 48 quilómetros] da cidade de Kupiansk, na linha da frente. Pelo menos um dos mortos é um rapaz novo.
Na sexta-feira, as equipas de socorro começaram a limpar uma área numa zona florestal ao lado do cemitério da aldeia para arranjar espaço para todas aquelas pessoas acabadas de morrer. No sábado, mais de 20 sepulturas vazias aguardavam-nos.
O facto de ter sido possível enterrar os Androsovich tão pouco tempo depois de terem sido mortos sugere que os seus corpos não ficaram tão desfigurados como os de outras vítimas do ataque que serão bem mais difíceis de identificar, devido à gravidade dos seus ferimentos.
O filho do casal, Dmitro, escolheu no dia anterior o local no cemitério onde os pais iriam ser enterrados. A sua irmã, Katerina, que chegou no sábado, vinda da Eslováquia, chorou junto à sepultura.
Em declarações aos jornalistas, Katerina revelou que tinha falado com a mãe na quinta-feira de manhã e que esta lhe tinha prometido voltar a ligar depois do funeral e da cerimónia em honra de Andrii Kozir, um soldado local. “Mas, como vêem, ela nunca chegou a voltar a ligar.”
Em alguns casos, há pessoas que vão precisar de requisitar a realização de testes de DNA para poderem recolher os restos queimados e desfigurados dos seus familiares. No sábado, os funcionários da morgue da capital regional, Kharkiv (Carcóvia), continuavam a vasculhar dúzias de cadáveres e de bocados de cadáveres. Nos degraus da entrada do edifício, havia uma pilha de etiquetas numeradas para pedaços de corpos.
Fotografias de tempos felizes
Muita gente em Hroza acredita que o ataque de quinta-feira foi solicitado depois de um habitante da aldeia ter informado as tropas russas de que estava a haver um grande ajuntamento. A Rússia ocupou a aldeia pouco depois de ter iniciado a invasão da Ucrânia, em Fevereiro de 2022, e os soldados ucranianos reconquistaram-na numa contra-ofensiva-surpresa no Outono passado. Mas alguns habitantes mantiveram-se leais à Rússia.
Ainda assim, continua por explicar qual era o objectivo militar de um ataque a uma cerimónia fúnebre. A avaliar pela grande maioria dos que foram mortos no café e na mercearia destruídos pelo ataque, parece ser civil.
Os jornalistas do Washington Post que observaram o processo de identificação das vítimas na morgue, na sexta-feira, só viram um cadáver vestido com uniforme militar. A maioria das restantes vítimas vestia jeans, camisolas e flanelas. Alguns corpos não tinham membros inferiores e superiores ou cabeças.
No sábado, os sacos com os cadáveres ainda estavam alinhados nos corredores. Agora, as sepulturas destes aldeões estão a ser preparadas no mesmo cemitério onde eles assistiam ao funeral de Kozir, pouco antes do ataque que os matou.
Nesse cemitério, no sábado, amigos e familiares enlutados fizeram uma fila para colocar cuidadosamente flores em cima dos caixões dos Androsovich, reconfortando-se uns aos outros, naquele que foi provavelmente o primeiro de dezenas de funerais que vão ter nos próximos dias.
Em cima de cada caixão, foram postas fotografias de tempos mais felizes, mostrando aos enlutados aquilo que perderam: Tetiana radiante, de cabelo curto preto, camisa às riscas e um cachecol; Mikola de cabelos grisalhos, sorrindo diante de um papel de parede florido.
Quatro soldados ucranianos, um deles com um bouquet de rosas na mão, estiveram presentes, enquanto o padre recitava a cerimónia fúnebre e lia a Bíblia.
Na região de Kharkiv, as sirenes de alerta de ataque aéreo soaram várias vezes durante o dia de sábado, enquanto as famílias tentavam identificar e enterrar os seus mortos.
Na sexta-feira, enquanto as famílias inspeccionavam o cemitério, houve pelo menos dois bombardeamentos perto de Hroza; outro atingiu a cidade de Kharkiv na sexta-feira, matando uma criança e ferindo dezenas de outras pessoas. No sábado de manhã, as equipas de socorro ainda limpavam os escombros da zona da cidade que foi atingida. Os destroços cobriam grande parte da rua e as janelas dos edifícios residenciais e de escritórios foram destruídas.
Exclusivo PÚBLICO/The Washington Post