Celebrou-se o 5 de outubro, Dia da Implementação da República, realizada em 1910 nas varandas da Câmara Municipal de Lisboa – momento-chave da alteração da monarquia constitucional para o regime republicano. A revolução veio alterar os símbolos nacionais como a bandeira, a moeda e o hino nacional, consagrando na sociedade a definição efetiva de Res Publica, do latim, que significa “coisa pública”.
Porém – e apesar de a evolução da República ter enraizado a participação da sociedade, sobretudo após o 25 de abril de 1974 –, hoje, dia 5 de outubro de 2023, na tradicional sessão solene ocorrida na Praça do Município em Lisboa, a população foi afastada de poder participar efetivamente – só com convite ou por visualização nos televisores.
A participação tem de ser pública e dos portugueses, mas o que ocorreu no 113.º aniversário da Implantação da República denota mais um sintoma de que esta não tem sido para todos, remetendo assim a sociedade para os bastidores turvados e sem serventias. Claro, nenhuma democracia é plena, muito menos uma República; mas a participação ativa e a aproximação entre políticos e sociedade civil devem ser mais notórias. A separação física da sociedade reflete uma República fechada, bem como o afastamento dos políticos perante as dificuldades que a própria sociedade portuguesa tem sentido.
Nos discursos da sessão solene, consegue-se verificar a existência de um défice de ação entre o discursivo e o efetivo – apontam-se problemas, mas soluções só para depois. Por exemplo, e sabendo das dinâmicas que o protocolo em contextos similares acarreta, o discurso do presidente da Câmara Municipal de Lisboa, Carlos Moedas, começou por um agradecimento à presença das maiores figuras do Estado e do Município de Lisboa, tendo endereçado aos lisboetas um igual reconhecimento e uma palavra a todos de que “a política tem de voltar a ser vivida pelas pessoas”.
Contudo, esqueceu-se de que essas pessoas foram delimitadas em ruas paralelas e sem acesso ao local de realização das comemorações da implementação da República. Ato falho?
A República é um símbolo de liberdade e de aproximação a ideais democráticos que hoje se vivem em Portugal, mas esse distanciamento entre políticos e sociedade exprime um dos argumentos negativos utilizados por populistas em todo o mundo – o de marginalização. De facto, os símbolos da República são as pessoas para as pessoas, e não os políticos que, distantes, afastam-se cada vez mais de uma realidade que assola o país.
As crises na habitação, na saúde, na educação e em tantas outras áreas do quotidiano da sociedade transferem essa desconexão entre o discursivo e o material (a sua concretização).
Os símbolos desta República somos todos nós: são os(as) professores(as) que, sendo colocados(as) numa região longe da sua área de residência e ao não encontrarem habitação, mantêm a luta pela educação; são os(as) médicos(as) e enfermeiros(as) que, apesar de exaustos, ainda empreendem esforços pela saúde; são os reformados(as) que, ao longo de anos, lutaram pela República que temos hoje e continuam a empenhar-se pelos seus(suas) filhos(as) e netos(as); são os(as) jovens que, embora não vislumbrem um cenário promissor (pessoal e coletivo), ainda se mobilizam por um futuro; são os(as) imigrantes que, apesar dos preconceitos e das fronteiras de segregação que se ampliam continuamente, reforçam e contribuem para uma República multicultural.
Somos todos símbolos de uma República que deve ser mais inclusiva e menos distante. A República deve olhar para os seus símbolos e reforçá-los: uma sociedade participativa e plural.
O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico