Nobel da Física de 2023: “fotografar” a dinâmica dos electrões

Podemos questionar o porquê de Portugal ser apenas pontualmente laureado: temos dois casos. Talvez haja uma relação entre a aposta feita em ciência nos países dos laureados e no nosso país.

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O Comité Nobel atribuiu o Prémio Nobel da Física de 2023 a três cientistas: Anne L’Huillier (da Universidade de Lund, na Suécia), Ferenc Krausz (do Instituto Max Planck em Garching, na Alemanha) e a Pierre Agostini (da Universidade do Estado do Ohio, nos Estados Unidos) por avanços experimentais na criação de impulsos de luz de duração de attossegundo para estudo da dinâmica de electrões.

Em 1932, o Prémio Nobel da Física foi atribuído a Heisenberg pela formulação do princípio da incerteza, de acordo com o qual é impossível determinar simultaneamente a velocidade e a posição de uma partícula tal como, por exemplo, um electrão. Hoje o Comité Nobel reconhece uma linha de investigação fundamental, que nos aproxima mais de conseguir seguir o comportamento dos electrões e perceber questões fundamentais tais como o tempo do efeito fotoeléctrico descrito por Einstein (motivo pelo qual recebeu o Nobel em 1921), transferência de electrões em moléculas, processos de catálise, entre outros. Um attossegundo é 1x10 elevado a menos 18 de um segundo, ou seja, a divisão de um segundo (aproximadamente o batimento do coração) por 1.000.000.000.000.000.000.

Perceber os acontecimentos a uma escala de tempo tão reduzida é fascinante; conseguir tecnologia para “filmar” e observar estes acontecimentos são feitos que nos movem científica e tecnologicamente para o avanço. O trabalho destes três cientistas não é trabalho recente, nem feito em pouco tempo.

Em laboratórios diferentes, grupos de investigação destes três cientistas trabalham há décadas para chegar a este momento. Este avanço dá-se tanto a nível fundamental como tecnológico. Por um lado, permitirá perceber melhor a dinâmica dos electrões e a sua localização em moléculas, ambos avanços científicos de base. Por outro, permite aplicações concretas em varias áreas, por exemplo em materiais dieléctricos, em que o controlo numa escala de tempo tão pequena pode permitir fazer um material alternar entre condutor e isolador muito rapidamente, com aplicação directa em electrónica.

Outro exemplo encontra-se em aplicações biológicas, onde permitirá compreender de forma precisa a alteração molecular de certos compostos e actuar neles de forma directa e apropriada, por exemplo na terapia do cancro.

Quando contactada pelo Comité Nobel, a professora Anne L’Huillier estava entre aulas. Na comunicação directa com o comité, depois de anunciado o prémio, refere que o ensino, para ela, é uma faceta muito importante. É um exemplo de sucesso no ensino e na investigação lado a lado, em que certamente os frutos produzidos no ensino serão de importância elevada, tal como os conseguidos na ciência. É uma das poucas mulheres a receber um Prémio Nobel e das muito poucas a recebê-lo em Física, mais um motivo de satisfação. É o reconhecimento enquanto cientista, independentemente de ser homem ou mulher.

No final da chamada telefónica com o Comité Nobel, referia que a ciência fundamental deve ser financiada porque é muito importante. A ciência fundamental é a força que leva à ciência aplicada.

Podemos questionar o porquê de Portugal ser apenas pontualmente laureado: temos dois casos, Egas Moniz e José Saramago. Talvez haja uma relação entre a aposta feita em ciência nos países dos laureados e no nosso país. É um cultivar para uma colheita tardia, mas certamente que, se bem cultivada, será uma boa colheita.

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