Pró-Putin, negacionistas das vacinas e do clima e, já agora, homofóbicos racistas
Sempre houve desinformação, mas nunca como agora, nunca com as consequências de hoje, em termos de vidas humanas.
Há quem lhe chame “fazer bingo” nas patetices todas. Eu vou mais além e considero-a o maior desafio das democracias e da humanidade. Sempre houve desinformação, mas nunca como agora, nunca com as consequências de hoje, em termos de vidas humanas.
São negacionistas de tudo. Há uma coisa que os une, é ser do contra, é ser contra aquilo a que tanto gostam de chamar a “narrativa oficial” e isto envolve um ataque a três níveis. Dois deles são comuns a todos os temas – a classe política e a comunicação social – e o terceiro depende do tema: podem ser os comentadores que dizem o óbvio, que a Rússia é o agressor e a Ucrânia é o agredido; ou os médicos e cientistas que explicam o óbvio, que as vacinas salvam milhões de vidas e que o planeta está a aquecer; ou também todos os activistas que lutam contra a homofobia e contra a discriminação pela nacionalidade, religião ou cor de pele.
Isto seria cómico se não fosse trágico e se não morressem milhões pelas mentiras e desinformação. E o que é incrível é que não há moldura penal proporcional para estas mentiras assassinas. Atacar alguém com mentiras é um crime de difamação, e ainda bem que o é, como se viu no caso do Pacheco Pereira em que assim se repôs alguma justiça e a verdade. Mas atacar a informação médica e científica que previne a morte de milhões, mesmo quando a ciência é robusta e inquestionável sobre matérias como a eficácia das vacinas ou os perigos para a humanidade do aquecimento global, cai do âmbito da sacrossanta liberdade de expressão e ninguém se importa de quantos morrem com estas mentiras. Isto são factos, não são opiniões.
Descredibilizar os políticos até conseguirem destruir a democracia é um dos seus objetivos e, por isso, quase todos estes movimentos se aproximam da extrema-direita ou vice-versa. Depois sustentam todo o seu pensamento em “faz a tua própria pesquisa”, que é o mesmo que dizer que tudo, mas absolutamente tudo, que a comunicação social e as instituições cientificas acreditadas nos dizem é para nos “manietar”, enganar, para controlar o nosso pensamento. Como tal, a verdadeira informação está “naquele” vídeo do YouTube que diz toda a verdade que a “resistência” precisa de saber.
Eu não gosto de personalizar, mas há coisas que têm de ser ditas, mais ainda numa altura em que é fulcral lutar pelo sucesso da vacinação em massa contra a gripe e a covid-19 para o Inverno que está à porta. A Ordem dos Médicos é incapaz de retirar a licença a médicos que espalham informações falsas, p.e. o dr. Manuel Pinto Coelho está a dizer asneiras abstratas, e mentiras científicas em concreto, sobre a covid-19 há mais de três anos, altamente amplificadas, em livros, nas redes sociais e até nos media, sobre o benefício (inexistente neste caso) da Vitamina D e outras substâncias na prevenção e tratamento desta pandemia que paralisou o mundo. Milhões de pessoas morreram por seguirem estes conselhos dele e doutros, em vez de se vacinarem. Como é que a Ordem dos Médicos não lhe tira a licença? Como é que a justiça não tem leis para condenar este tipo de médicos que enriquecem a propagar informação médica totalmente e comprovadamente falsa?
A questão de se ser pró-russo acredito ser mesmo só a vontade de se ser do contra, que nasce da teimosia em dizer que há um “outro lado” da verdade e que os políticos e os media, mais uma vez, estão a promover o medo e as mentiras. Estas vozes têm uma pequena expressão em Portugal, mas há-de aumentar à medida que lutar contra a tirania e os crimes de Putin nos for saindo do bolso. Também grave é que estes movimentos de negacionistas de tudo são todos ultranacionalistas, porque se alimentam sempre do egoísmo extremo e, como tal, imigrantes e refugiados são vistos como inimigos desta nação, na visão deles, só de brancos cristãos.
O ataque aos homossexuais e a toda a comunidade LGBT confesso que me surpreendeu, mas a explicação dos paranóicos sustenta-se na ideia de que tudo o que a “narrativa oficial” quer é diminuir a população mundial e, em teoria, só os heterossexuais é que se reproduzem, além de que as diferenças, acusadas de todos os males do mundo, são sempre um alvo fácil dos extremistas.
Mas mais grave do que tudo o que mencionei é a negação das alterações climáticas. Negam o aquecimento global, negam a sua relação com as emissões de CO2, negam a sua relação directa com os fenómenos climáticos extremos. As alterações climáticas são o maior desafio da história da humanidade de sempre, são o maior desafio em termos de vidas humanas que vamos perder, como p.e. pelo risco de mortes por fome, cujo número tem vindo a aumentar em flecha. Anotem bem a minha antevisão: o maior desafio dos nossos dias é a negação das alterações climáticas.
Todos sabemos que não há soluções fáceis no imediato para reduzir as emissões de CO2 e o plástico nos oceanos, mas de uma coisa podem ter a certeza: o maior problema é a sua negação. Porque por cada dia em que, ainda, somos obrigados a explicar à opinião pública a gravidade deste fenómeno e a contrapor a verdade aos partidos políticos que o negam ou relativizam é um dia que perdemos para nos concentrarmos no seu combate.
É urgente que se perceba que o maior inimigo público é a desinformação, é urgente que se adoptem molduras penais adequadas para quem tem declarações públicas que conduzem directamente a mortes e é urgente que estes criminosos sejam postos no seu lugar, pela vida de todos nós e pela luta do bem comum, que foi para isso que foram feitas as democracias.
Dada a minha experiência nas profundidades dos países mais pobres do mundo, sempre considerei a ignorância como a “doença” mais mortífera, mas agora entendo que o maior morticínio dos nossos dias é a desinformação. É urgente combatê-la.
As crónicas de Gustavo Carona são patrocinadas pela Fundação Manuel António da Mota a favor dos Médicos sem Fronteiras