Em Leiria aprende-se a imitar a natureza para que a agricultura respeite o planeta

Há um novo núcleo no distrito de Leiria que junta mais de dez projectos de agroecologia, que querem transitar de uma agricultura tradicional para uma regenerativa. Fomos conhecer três projectos.

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Projecto Fazenda Viva
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Projecto do Bosque
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Projecto do Bosque
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Projecto do Bosque
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Projecto Planeta Cura
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Joana Santos vivia em Lisboa, com uma rotina entre casa e trabalho, na azáfama constante da cidade. A vontade de se libertar desta rotina e reduzir ao máximo o seu custo de vida, levou-a a deixar a capital e ir à procura de outras formas de viver. Foi neste período de mudança que conheceu Micael Silva, de Leiria, e descobriu uma nova agricultura: a sintrópica, um sistema de cultivo agro-florestal caracterizado pelo equilíbrio, pela poupança energética e pela preservação do ambiente, no qual o homem pouco ou nada intervém.

O projecto de Joana e Micael é um entre mais de dez que integram o núcleo agroecológico criado no distrito de Leiria este ano, na sequência da primeira Confluência Nacional de Agroecologia, que se realizou em Abril, em Torres Novas, e reuniu centenas de participantes. Desde então, os elementos dos vários projectos têm-se visitado uns aos outros e estão a trabalhar em conjunto para fazer parte de uma mudança na forma de cultivar a terra ou, pelo menos, consciencializar a população dos riscos e consequências da agricultura convencional para o planeta, mostrando que existem soluções para mudar este paradigma.

Num terreno de 1,5 hectares, na Corga, na Maceira, numa pequena cabana de madeira, nasceu oficialmente o projecto “Do Bosque” no início deste ano. Mas tudo começou em 2017, quando Micael decidiu pegar no terreno da família e dar-lhe vida. Segundo a namorada, Joana, “quando ele pegou nisto tinha-se começado a interessar pela permacultura, tinha viajado pela Ásia e visto alguns exemplos reais do que é viver do bosque”. O terreno estava um autêntico “deserto”, fruto da utilização de pesticidas ao longo de vários anos.

Munido duma enorme vontade, Micael começou por plantar árvores, mas sem sucesso. Até que descobriu a agricultura sintrópica e o conceito de agrofloresta. “O Micael foi estudar e começou a fazer as ilhas agro-florestais, ninhos onde se plantam muitas árvores”, de forma estratégica, para potenciar o seu crescimento, explica Joana Santos, que se juntou ao projecto em meados de 2022. “Vim visitar o terreno e as coisas evoluíram para ficar cá mais permanentemente, principalmente no Inverno”, conta.

Assim começou um caminho de braço dado com a agrofloresta, um tipo de agricultura que combina árvores e vegetais, imitando a natureza numa interdependência e convivência vencedoras.

Hoje, após muita tentativa e erro, o terreno já começa a ganhar expressão: estão plantadas mais de mil espécies de árvores em fila, nomeadamente choupos e salgueiros. Nos intervalos há hortícolas, plantados sempre perto das árvores, para usufruírem da sua sombra.

Quem ali chega, sem qualquer conhecimento na área, pensa que o terreno está ao abandono porque há muitas ervas. Mas na verdade elas têm o seu papel no ecossistema e não é um papel menor: Joana explica ao PÚBLICO que as ervas “são importantíssimas, sobretudo no Verão, porque estão a manter a água no solo” e fazem “sombra para árvores bebés”.

E num solo que “estava tão drenado” toda a ajuda é bem-vinda. É por isso que o casal tem também no terreno uma espécie de casa de banho móvel, onde fazem as necessidades directamente para a terra. Mas este não é o único fertilizante que ajuda a nutrir o terreno. Os ramos que resultam das podas feitas às árvores também ficam no chão para cumprir essa função.

Ainda só lá vai um ano desde que Joana partilha da mesma paixão que Micael, mas o casal já passou por muito neste bosque em construção. No Inverno passado, conta Joana, o rio que passa mesmo ali ao lado transbordou, inundou o terreno e fê-los regressar ao ponto de partida. Já houve muita coisa que plantaram e não resultou, mas a jovem diz que estão agora a encontrar o rumo. E uma coisa é certa: usar químicos ou cortar as ervas não são hipóteses em cima da mesa. O caminho que o casal está a percorrer é precisamente o oposto: a implementação de uma agricultura regenerativa, a transição ecológica e a eco alfabetização.

Joana percebeu que os alimentos biológicos a nutriam em termos de saúde, mas não nutriam o planeta. “O regenerativo traz essa diferença. Estou a comer produtos sem químicos, mas sei que ao comprar estes produtos estou também a cuidar da terra. Não vamos ficar com solos drenados e estéreis por comer estes produtos. A agricultura tradicional drena os solos. Com a agricultura regenerativa nada disso acontece”, sublinha.

E esta busca por um solo vivo é um processo muito demorado e que requer paciência. É por isso que parte do terreno ainda está numa fase um pouco mais lenta. Joana e Micael estão a tentar transformar uma antiga monocultura de peras em bosque. E neste momento estão na fase de podar as árvores e deixar que as silvas proliferem e façam o seu trabalho. E que trabalho é esse? “Na prática, a silva faz um trabalho maravilhoso para uma sucessão seguinte”, frisa Joana, acrescentando que a função do ser humano é fazer podas específicas para ajudar a natureza, abrindo caminhos para entrada de luz para as pereiras. Daqui a algum tempo, algumas das pereiras terão de ser deitadas abaixo para dar lugar a novas espécies. Micael está a fazer ninhos agro-florestais num caminho paralelo, um pouco à semelhança do restante terreno. “Daqui a uns anos em vez de termos só pereiras, vamos ter castanheiros, nogueiras, nespereiras…vamos ter uma diversidade enorme em vez de termos só um tipo de fruta”, explica.

E no meio de todo este trabalho, o casal aposta ainda na realização de actividades para sensibilizar a comunidade para as consequências da prática da agricultura convencional e a necessidade de comer com consciência. Têm feito várias caminhadas, workshops sobre agricultura sintrópica e actividades junto da comunidade escolar. Micael faz também consultoria para quem quer iniciar um projecto destes. No próximo ano, o leiriense pretende inclusive lançar uma formação de agricultura sintrópica, com a duração de seis meses, durante os quais vai acompanhar os projectos dos participantes no campo. Joana quer dar início a algumas conversas abertas sobre variados tópicos, e pretende lançar um workshop sobre medicina de Inverno, abordando o poder medicinal das plantas.

Extrair óleos essenciais do bosque

A pouco mais de 15 minutos de carro de Corga, junto à Agriloja em Leiria, está outro casal com planos bem definidos para um bosque. João Salgado e Beatriz Pisa têm trabalhado num pinhal anexado à casa da família de João, também sob as leis da natureza, mas com o intuito de produzir óleos essenciais.

Naquele terreno com 3,8 hectares, adquirido pelo trisavô de João em 1933, os eucaliptos são abundantes e o casal descobriu que eles podiam ter uma óptima função: “Percebemos que o eucalipto seria um grande aliado em termos de regeneração do bosque. Em vez de lutarmos contra ele e arrancá-lo, podíamos ter o eucalipto como criador de biomassa, tanto com a madeira como com as folhas”, começa por contar João Salgado, explicando que foi desta árvore que retiraram as primeiras folhas para destilar, num processo muito caseiro.

A folha de eucalipto é rica em óleo essencial e ao destilá-las o casal acredita estar a “fazer o controlo de uma espécie que em Portugal é causa de incêndios de norte a sul”, diz Beatriz Pisa.

Mas como é que isto funciona na prática? Que contributos dá a destilação do eucalipto para a regeneração do bosque? João Salgado explica: “As folhas de eucalipto não formam uma manta morta, demoram muito tempo a decompor-se porque o óleo essencial do eucalipto é antifúngico e antibacteriano, dificultando a criação de macro e microbiologia e impedindo o desenvolvimento de espécies à sua volta. Começámos a perceber que o eucalipto já destilado se decompõe mais depressa”.

Já o tronco do eucalipto é cortado e deixado no chão para servir de matéria orgânica, mas também para retenção de água. João e Beatriz fazem linhas no terreno com madeira e plantas do bosque para reter água. Usam também os tojos, uma planta “muito mal-amada”, para cobrir o solo [fazer mulch], onde semeiam por baixo rosmaninho ou até mesmo leguminosas. As funções do tojo, afirma João, são “proteger dos animais do pasto, é uma planta que fixa azoto no solo” e que ajuda também a proteger as árvores que ainda são pequenas.

Do bosque, João e Beatriz conseguem retirar óleo essencial de louro, eucalipto e rosmaninho. E produzem também hidrolatos, ou seja, águas aromáticas, que são um produto mais acessível em termos de preço e mais seguro de ser usado do que os óleos, podendo ser aplicado directamente na pele.

Além deste terreno em Leiria, o casal trabalha também num outro espaço que têm em Alenquer – um terreno da família de Beatriz – e onde têm lavanda, alecrim e laranjeiras, que usam também para produzir óleo essencial.

Ela recentemente licenciada em Escultura, ele em História Moderna e Contemporânea há cerca de cinco anos, encontraram na destilação uma paixão e uma forma de vida. Tudo começou antes da pandemia de covid-19, quando Beatriz se aventurou na criação de produtos de cosmética natural e ficou “aterrorizada com a quantidade de óleo essencial que se utiliza na cosmética”. “Partilhei essas preocupações com ele [com o João], começámos a pesquisar de onde vem e percebemos que vem de monoculturas do outro lado do mundo”. Decidiram então ler mais sobre o assunto e descobriram que era possível criar o próprio óleo essencial em casa. Entretanto, já têm um bom alambique e já experimentaram destilar diversas plantas. Contam que este é um processo que requer, no entanto, uma “eterna conversa” com as plantas para perceber no que é que elas são abundantes e nunca prejudicar o ecossistema. “Há a necessidade de ler os sinais dados pela natureza para perceber o que se pode extrair de cada planta”, sublinha João.

O casal percorre vários mercados e feiras no país para vender os óleos essenciais e os hidrolatos. Têm uma página de Instagram chamada “Planeta Cura”, onde dão a conhecer todos os produtos. Estão também focados na vertente de ensino, sendo que vão dar um workshop no próximo dia 14 de Outubro, em Sintra, sobre óleos essenciais e hidrolatos. Sonham com o dia em que vão ter poder financeiro para comprar um terreno próprio.

Além do biológico

E enquanto Micael Silva, Joana Santos, Beatriz Pisa e João Salgado se dedicam ao bosque, o projecto “Fazenda Viva” cultiva produtos hortícolas para vender no mercado, apresentando alimentos sem qualquer tratamento químico, criados num solo vivo regenerado diariamente.

Sara Lopes, natural do Telheiro, em Leiria, emigrou para a Suíça aos 9 anos e por lá conheceu Raphaël Dubois. Em 2020, decidiram mudar-se para as origens de Sara e tentar aplicar num terreno as técnicas de conservação de solo e de agro-floresta que aprenderam em França. “A agricultura para nós já não pode continuar a ser convencional, os solos estão muito destruídos, falta biodiversidade”, frisa Sara, salientando que em França “mais de 5% dos agricultores” já utilizam técnicas de agricultura de conservação.

No terreno que possuem nas Cortes, em Leiria, com cerca de dez mil metros quadrados, começaram por plantar árvores de fruto em 2021, e uma sebe vegetal em redor de todo o espaço, constituída por 400 árvores e arbustos, entre árvores de fruto e de floresta, com o intuito de ter biomassa necessária para fertilizar o solo. No ano passado, iniciaram a produção de hortícolas no terreno, intercalando uma linha de hortícolas com uma linha de árvores, que “vai fazer sombra, regular o clima, criando uma atmosfera mais fresca no Verão”.

As árvores são escolhidas de acordo com o contexto climático do solo e os produtos hortícolas são diversos para vender no mercado. Além do terreno exterior, que ainda não está todo cultivado, têm uma estufa com 200 metros quadrados, na qual vão rodando o tipo de alimentos cultivados consoante a estação do ano.

Nunca lavram a terra, não usam produtos químicos, não arrancam as ervas e trabalham com muita matéria orgânica para fertilizar o solo, como estilha de madeira ou estrume de cavalo. Sara explica que a estilha de madeira “dá estrutura ao solo” e o estrume de cavalo “alimenta as plantas”. Num terreno que é “bastante argiloso”, dar estrutura ao solo é fundamental para que tenha nutrientes suficientes para as plantas crescerem.

O casal está a trabalhar para em 2025 garantir a certificação em modo de produção biológica, porque ainda não existe certificado em Portugal para agricultura de conservação do solo. “Para mim, os factores de produção da agricultura convencional não estão adaptados num contexto do século XXI, com alterações climáticas e energéticas. Temos de tentar novas coisas do ponto de vista hortícola e fruteiro”, defende Raphaël.

Sara e Raphaël trabalham em cadeia curta, ou seja, produzem e vendem localmente, no mercado municipal de Leiria, à terça-feira e ao sábado, e distribuem cabazes para famílias. Trabalham ainda com três restaurantes de Leiria.

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