Para quando a Rede Nacional de Áreas Marinhas Protegidas?

Tarda um quadro legal para a protecção do mar português, capaz de estabelecer mecanismos para a classificação e gestão efectiva das áreas marinhas protegidas.

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Com quase quatro milhões de quilómetros quadrados de área marítima, Portugal é uma das maiores nações marítimas a nível mundial. O nosso país tem soberania ou jurisdição sobre cerca de 50% do mar pan-europeu, cerca de de 10% da bacia do Atlântico Nordeste e cerca de 1% do oceano global. Como tal, é enorme a nossa responsabilidade na governação, conservação e uso sustentável do oceano e da biodiversidade marinha.

No âmbito do novo Quadro Global para a Biodiversidade de Kunming-Montreal (aprovado em Dezembro de 2022 na Conferência das Partes da Convenção sobre a Diversidade Biológica), os países estão obrigados a proteger 30% de áreas marinhas até 2030, a geri-las eficazmente, definindo objectivos e medidas de conservação claros e monitorizando-as de forma adequada – a famosa meta 30x30. Da Estratégia da Biodiversidade da União Europeia (UE) para 2030, decorre ainda o compromisso de proteger integralmente pelo menos 10% dos mares da UE, áreas onde não poderão ocorrer quaisquer actividades extractivas.

Em Portugal, a concretização plena destes ambiciosos objectivos até 2030 – a pouco mais de seis anos de distância – não se cumprirá com a mera apresentação de um conjunto de Áreas Marinhas Protegidas (AMP) delimitadas no mapa do espaço marítimo nacional! É preciso reunir o melhor conhecimento disponível (científico, empírico e socio-económico) e propor uma rede de AMP ecologicamente coerente e funcional, que tenha também em conta os impactos (positivos e negativos) nas actividades que dependem destas áreas.

Para ser eficaz, a rede deve estar integrada e ser suportada por um quadro de governança claro e ágil, com mecanismos transparentes, previsíveis e democráticos de participação das partes interessadas, planos de gestão e monitorização que permitam avaliar a concretização dos objectivos de conservação propostos, bem como assegurar os meios financeiros necessários para garantir o seu adequado funcionamento para além de 2030.

A Região Autónoma dos Açores deu recentemente passos significativos nesse sentido. Em Julho, o Governo Regional dos Açores lançou a consulta pública da proposta da Rede de Áreas Marinhas Protegidas dos Açores (RAMPA), baseada em conhecimento científico, com metodologias integradas, multidisciplinares e participativas. Trata-se de uma proposta muito ambiciosa para a protecção de 30% do espaço marítimo dos Açores e classificando mais de metade dessa área (cerca de 17%) com protecção elevada ainda em 2023.

A preocupação com uma abordagem de base ecossistémica e uma gestão integrada está também patente na consagração da conectividade entre AMP, no envolvimento dos actores e sua integração na Estratégia de Gestão da RAMPA e, finalmente, numa abordagem de gestão centralizada de toda a rede, estabelecendo a cooperação entre os órgãos da administração central e regional competentes, em articulação prevista com a Rede Nacional de AMP (RNAMP).

Mas o mar dos Açores é apenas uma quarta parte do espaço marítimo nacional. O que está a ser feito para as águas do Continente e da Madeira e para os fundos marinhos da plataforma continental?

No rescaldo da conferência da ONU sobre o Oceano, que decorreu em Lisboa em Junho do ano passado, o MARE alertou para a importância do desenvolvimento, a nível nacional, de um Plano de Acção Integrado e correspondente Roteiro, para garantir a implementação atempada das metas do ODS 14, entre as quais está a meta 30x30. Estes deverão ter em consideração metas e marcos importantes a nível internacional e nacional a caminho de 2030:

  • Até 2024, no quadro da Estratégia da Biodiversidade da UE para 2030, a Comissão Europeia deverá avaliar os progressos da UE no cumprimento das suas metas para 2030 relativas às áreas protegidas e a necessidade de medidas adicionais, incluindo de carácter legislativo;
  • Em 2025, previsivelmente em Junho, França organizará a próxima Conferência do Oceano, onde se fará novo balanço da implementação da meta 30x30;
  • Em 2026, até Outubro, deverão ter lugar as próximas eleições legislativas em Portugal.

Apesar do enorme desafio que estas metas impõem, Portugal tem um vasto trabalho desenvolvido neste domínio. Os critérios orientadores e objectivos estratégicos para a implementação da RNAMP estão estabelecidos desde 2019. Estamos, assim, numa posição privilegiada para construir adequadamente uma rede nacional de AMP costeiras e oceânicas eficaz, coerente entre as várias regiões. Falta desenvolver um plano de acção para a implementação desta rede, onde sejam identificadas as principais etapas necessárias e respectivos prazos, para se estudar e definir a representatividade de habitats e espécies a incluir nos 30%, bem como as medidas de gestão necessárias para garantir a sua protecção. Este plano de acção é, sem qualquer dúvida, uma etapa essencial e urgente!

Tarda também um quadro legal para a protecção do mar português, capaz de estabelecer mecanismos para a classificação e gestão efectiva das AMP. O diploma que foi desenvolvido nesse sentido e aprovado em Conselho de Ministros em Agosto de 2015, ficou por publicar.

Importa não esquecer que a protecção do mar português deve ser enquadrada no processo – desejavelmente coerente – de planeamento, ordenamento e gestão do espaço marítimo nacional. Porém, o Plano de Situação do Espaço Marítimo Nacional (PSOEM) ainda não inclui o plano de ordenamento do espaço marítimo dos Açores, estando por isso incompleto e atrasado (o prazo legal a nível europeu era Março de 2021).

Finalmente, é importante não esquecer que o ordenamento e gestão do espaço marítimo nacional constituem a base do tão desejado desenvolvimento da economia azul no nosso país, que será tanto mais próspera quanto mais saudável for o oceano que a suporta. A inacção também afasta investidores e capital.

Sabemos o que temos de fazer e como fazer. O tempo urge. Quando iremos agir?

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