Editora de livro que denunciou assédio sexual no CES de Coimbra diz que foi alvo de “ameaças legais”
A prestigiada editora britânica Routlege emitiu um comunicado em que explica as razões que a levaram a retirar o livro que denunciava práticas de assédio sexual na academia.
Depois de semanas remetida ao silêncio, a editora Routledge emitiu na sexta-feira um comunicado em que explica as razões pelas quais decidiu retirar o livro intitulado Sexual Miscondut in Academia por causa do capítulo “The walls spoke when no one else would”, assinado por Catarina Laranjeiro, Lieselotte Viaene e Miye Nadya Tom, que “continha sérias alegações de má conduta sexual, incluindo assédio sexual, numa instituição”. A instituição é o Centro de Estudos Sociais de Coimbra (CES), um dos visados o sociólogo Boaventura de Sousa Santos.
Depois da publicação, continua o comunicado, “e sem o conhecimento da Routledge, a instituição académica, um dos acusados e outros proferiram declarações que levaram à identificação dos visados, tanto em jornais como nas redes sociais”, mas no artigo todos tinham sido anonimizados.
A Routlege explica que, após terem sido tornados públicos esses nomes, recebeu “uma série de ameaças legais de várias das partes, incluindo uma das principais sociedades de advogados do Reino Unido que representava um dos acusados, e viu-se na difícil posição de defender alegações específicas contra indivíduos que não tinham sido identificados”, mas cujos nomes se tornaram públicos.
Após várias tentativas para chegar a consenso, diz a editora, a “difícil decisão” foi a de retirar o capítulo da publicação e devolver os direitos do mesmo às autoras. O livro acabou por ser suspenso em Julho e retirado definitivamente a 31 de Agosto. Perante esta nova situação, a editora diz que está disponível para novas conversas com os editores para perceber até que ponto se pode resolver a situação, mas até que estejam resolvidas todas as questões legais o título continuará indisponível.
Investigadora assume aviso legal
Neste sábado, a investigadora coordenadora do CES Maria Paula Meneses partilhou uma nota no Facebook em que se lê que avisou a Routledge das “possíveis consequências legais”, se mantivessem o artigo científico e também de que terá apresentado “queixa criminal contra as autoras” do capítulo.
Na conta de Facebook de Maria Paula Meneses surge uma imagem de uma folha dactilografada em que se diz que o artigo “era um autêntico ataque de carácter” à antropóloga com “poucos factos” que descreve como “falsos e caluniosos”. A folha inclui um texto que se apresenta como sendo um email de Miye Nadya Tom – a professora nativo-americana faz a acusação mais grave que consta do artigo, alegando agressão sexual por parte do “Aprendiz" – para Meneses. Após meses de dúvidas sobre a atitude da Routledge, a nota publicada a meio do dia de sábado na conta da antropóloga, e que identifica Maria Paula Meneses como sua autora, diz: “Através do meu advogado interpelei a Routledge, advertindo das eventuais consequências judiciais da manutenção do capítulo e, bem assim, apresentei queixa criminal contra as autoras.”
O PÚBLICO contactou Maria Paula Meneses para confirmar a veracidade do post, que é público e acumula vários comentários no seu perfil amplamente conhecido, bem como sobre o seu timing, mas não obteve resposta até à hora de publicação deste artigo.
O mesmo não aconteceu do lado de Boaventura de Sousa Santos e Bruno Sena Martins, outros dos visados pelo artigo. A 12 de Julho, quando a editora suspendeu o livro, Boaventura de Sousa Santos disse ao PÚBLICO: “Não movi nenhuma acção judicial, ou pedido de peer review [junto da Routledge]”; “Não tive qualquer influência na decisão da Routledge de suspender o artigo”. Bruno Sena Martins disse, por seu turno, ao Diário de Notícias, já em Agosto: “Não desencadeei qualquer acção legal junto da editora.”
Nas últimas semanas, vários académicos de diferentes países criticaram a decisão da editora. O grupo responsável pelo manifesto Todas Sabemos exigiu, no início deste mês, à editora, que republicasse o livro na íntegra, classificando o artigo como “uma força material que não pode ser apagada” e manifestando a sua “perplexidade” e “repulsa” pela decisão, que considera “censura”.
Numa carta aberta, mais de uma centena de académicos de vários países, entre os quais as 23 autoras do livro Sexual Misconduct in Academia, exigem que a Routledge explique publicamente porque retirou da obra o capítulo que gerou o caso Boaventura de Sousa Santos, director emérito suspenso do CES e que reponha a circulação do livro. Os académicos pedem ainda que a conceituada editora científica, que a 31 de Agosto tirou o livro do mercado, “enfrente as ameaças judiciais contra a sua publicação”.