Micróbios: os bons e os maus e um dia de celebração.
Existem 1415 espécies de microrganismos patogénicos conhecidos, mas os restantes 999 mil milhões de espécies de microrganismos que existem são úteis e até essenciais para a vida do e no planeta.
Um dos factos que mais parece surpreender a minha família nos almoços de domingo, é quando me refiro aos nossos micróbios como os nossos maiores aliados. Na verdade, assim é, por mais surpreendente que possa parecer. E este é um domingo especial que coincide com a celebração do Dia Internacional do Microrganismo.
Os microrganismos – termo cientificamente correto –, ou micróbios – termo da gíria – existem no nosso planeta há mais de 3,8 mil milhões de anos. São estes seres microscópicos que foram a primeira forma de vida na Terra. Dizer que a nossa vida depende deles não é um eufemismo – é a mais pura das verdades.
Micróbios bons 1 vs 0 Micróbios maus
Claro que temos muitos motivos para desconfiar destes pequenos seres microscópicos. Tradicionalmente e historicamente, referimo-nos a micróbios como sendo agentes patogénicos, ou seja, causadores de doenças. Um exemplo bem conhecido dos livros de história é a peste negra, causada pela bactéria Yersinia pestis, que atingiu a Europa no século XIV e dizimou mais de 15 milhões de pessoas (valores estimados).
Outro exemplo conhecido de todos é a malária, causada pelo parasita Plasmodium falciparum, e transmitida através da fêmea do mosquito Anopheles. E mais recentemente a covid-19, causada pelo vírus SARS-CoV-2, que se tornou numa pandemia (quase) descontrolada em pleno século XXI, da qual fomos salvos apenas pelas vacinas desenvolvidas em tempo recorde.
Micróbios bons 1 vs 1 Micróbios maus
Mas muitos micróbios são apenas causadores de doenças se estiverem no sítio errado, por exemplo, quando se multiplicam de forma descontrolada ou se invadirem a corrente sanguínea. A grande maioria dos microrganismos é benéfica para a nossa saúde e para o meio ambiente, e vivem em plena harmonia connosco há milhares de anos.
No nosso corpo estima-se que vivam aproximadamente 40 x 10 elevado a 12 micróbios (conjunto ao qual se dá o nome de microbiota), sendo que a grande maioria habita o intestino grosso. Na verdade, nós dependemos muito dos nossos micróbios. Ora vejamos.
- Na digestão: Talvez já tenham ouvido que as bactérias do intestino ajudam na absorção de nutrientes (como açúcares, aminoácidos e vitaminas) pelas células intestinais. Mas, para além disso, os carboidratos complexos presentes nas fibras dos alimentos ingeridos apenas são utilizados pelas bactérias intestinais, num processo chamado “fermentação”. Os produtos dessa fermentação são importantes na saúde da mucosa intestinal, promoção da imunidade e diminuição de inflamação.
- Na educação e estimulação do nosso sistema imunitário: A partir do momento em que nascemos, somos inundados por uma avalanche de micróbios. Estes micróbios têm um papel essencial na educação do nosso sistema imunitário. Em particular, a bactéria Bifidobacterium infantis, transmitida durante o parto vaginal e através do leite materno, tem um papel central na estimulação da resposta imunitária, incluindo a estimulação de linfócitos T, um tipo de glóbulos brancos. A presença destas bactérias é associada a um menor risco de desenvolver asma, alergias e doenças autoimunes.
- Na síntese de micronutrientes, como as vitaminas B12, B6, folato e vitamina K: As bactérias produtoras de ácido láctico são microrganismos capazes de sintetizar vitamina B12, que não é sintetizada naturalmente por animais, plantas ou fungos. Outro exemplo é a produção de folato (ou vitamina B9), essencial para os processos metabólicos do ser humano.
- Na prevenção do crescimento de bactérias patogénicas: As bactérias benéficas ajudam a que bactérias causadoras de doença – patogénicas – não sejam capazes de colonizar ou proliferar, usando mecanismos de defesa naturais aperfeiçoados ao longo de milhares de anos.
- Na regulação do eixo cérebro-intestino: Todos nós já sentimos borboletas na barriga quando estamos felizes ou apaixonados. Ou aquela dor de barriga quando estamos prestes a falar em frente a uma plateia. O sistema nervoso entérico, constituído por 100 milhões de células nervosas ao longo do intestino, faz do intestino o nosso segundo cérebro. Mas não só: as bactérias intestinais produzem compostos químicos que viajam pela corrente sanguínea até ao cérebro e podem afetar o nosso humor, níveis de stress, e até o apetite.
Micróbios bons 2 vs 1 Micróbios maus
Mas e os micróbios maus? Existem 1415 espécies de microrganismos patogénicos conhecidos: 217 vírus ou priões, 538 bactérias, 307 fungos, 66 protistas e 287 helmintas. E como já mencionei, alguns destes mudaram o curso da história humana matando milhões de pessoas. Mas os restantes 999 mil milhões de espécies de microrganismos que existem são úteis e até essenciais para a vida do e no planeta.
Felizmente, a ciência ajuda-nos todos os dias a controlar os micróbios maus. Seja através da administração de antibióticos que controlam infeções tão simples como uma amigdalite, que há 200 anos seriam fatais; seja com vacinas que já nos permitiram erradicar a varíola e controlar tantas outras infeções mortíferas; ou até com algo bem mais simples, como melhores práticas de higiene e saneamento básico, que são mecanismos de prevenção de infeções infalíveis.
Paralelamente, é urgente cuidarmos de toda a imensidão de micróbios benéficos que habitam o nosso corpo e que são críticos para nos mantermos saudáveis. Manter uma alimentação saudável e variada, rica em fibras e pobre em gorduras, praticar exercício físico diário, e limitar o uso de antibióticos apenas a situações em que são necessários (para o tratamento de infeções bacterianas), são apenas os primeiros passos que devemos dar para manter os nossos amigos microscópicos felizes.
Micróbios bons 1.000.000.000.000 vs 10 Micróbios maus
Nunca esquecendo a história e os micróbios maus que continuam a existir e sempre à espreita de uma falha no equilíbrio do ecossistema, espero que neste domingo ao almoço todas as famílias partilhem uma refeição saudável, a pensar nos seus amigos intestinais minúsculos e que tão importantes são na nossa saúde.
A autora escreve segundo o novo acordo ortográfico