Poucas palavras me restam para expressar o estado da capital portuguesa. A cada dia surgem novas evidências de que toda a cidade está num estado perpétuo de se leiloar à maior licitação. A piorar a situação, as condições materiais e morais de habitar Lisboa têm vindo a deteriorar-se de tal modo que um retorno à Lisboa de personalidade que atraiu a onda turística que agora a destrói parece cada vez menos viável.
Agora é a Casa Independente, lugar de passagem obrigatório no largo do Intendente, que fechará portas dado que a intenção dos proprietários do edifício é vendê-lo, provavelmente a quem mais oferecer. E quem é que mais oferece? Sempre uma grande empresa que procura “modernizar” espaços, isto é, transformá-los em alojamentos locais, hotéis ou espaços mais apetecíveis ao novo modelo de turista americanizado que o governo da cidade parece procurar.
Aquele turista ou nómada que usa, abusa, cospe na cara, não pergunta o que a cidade quer ou de que gosta. Aquele turista que está ali só para satisfazer os seus interesses e não quer personalidade ou diálogo com as ruas, com os espaços tradicionais da cidade, aqueles que lhe conferiam, outrora, estatuto de cidade histórica. É assim que Lisboa se vende.
Já este ano se perdeu, no mesmo largo, outro espaço, pelo mesmo motivo, “O das Joanas”, encerrou permanentemente. Outro espaço icónico de um largo que tanto demorou a ser reabilitado, ao ponto de hoje atrair interesses que não são locais, mas sim com a mente posta no lucro desenfreado, na expulsão da personalidade do centro da cidade.
Há uns anos, expulsaram o que restava do Imaviz, o “MetropolisClub”, que mantinha a vida acesa no centro comercial histórico de Lisboa. Agora, cerca de três ou quatro anos depois, nem existe a obra que era prevista para o espaço, nem há provas do começo da construção.
Quem dá estes exemplos dá incontáveis mais. A cidade continua a vender-se, como se vendeu à JMJ, cujo retorno foi posto em tom de humilhação na expressão de que é “espiritual”. A abdicação da cidade à devassidão Católica surgiu apenas poucas semanas antes de Lisboa ser galardoada com o prémio de ultrapassar Amesterdão como a cidade mais cara da Europa. Um prémio acompanhado da miséria e pobreza do estado da habitação, à qual não há pacote deste Governo que pareça ter qualquer efeito.
Os preços aumentam, a cidade torna-se hostil e surgem notícias de que os nómadas já nem a procuram tanto, e o ritmo de chegada chegou a abrandar, nem que temporariamente. De tanto despersonalizar a cidade, de tanto a vender, ela arruinou-se, a fim de atrair a chegada de mais cifrões. Tanto o fez que até estes perderá. E depois, que restará? Uma cidade economizada? Sem personalidade? Sem locais?
Enquanto estas perguntas surgem, a cidade continua a vender-se, sem resistência ou protesto que valha. Sem a violência de discurso necessária.
Porém, o turismo não acabará e desta onda não se vê o fim. E diga-se, o problema não é o turismo, mas sim a incapacidade de tornar Lisboa senhora que atrai turista, em vez de a vender ao turista que mais pagar, que mais vier, que mais quiser aparecer, moldando-a ao gosto do freguês. Lisboa, turística e de locais, é aquela que sempre foi: histórica, cultural, com identidade.