Os cães são importantes para muitos seres humanos, mas o que é que os torna assim? Além de serem carinhosos, meigos e capazes de suscitarem o nosso amor incondicional, há uma série de características únicas que os distinguem dos outros animais.
Como investigadora de cães, consultora de comportamento animal e canófila (o que significa que adoro cães), vou partilhar cinco características que, na minha opinião, tornam estes animais tão especiais.
São hipersociais
Todos conhecemos aqueles cães que se comportam como aqueles golden retrievers que parecem absurdamente encantados por conhecer qualquer novo ser social. Nestes casos, é difícil não nos deixarmos levar por toda esta simpatia contagiante. Estes animais peludos e hipersociais têm algumas diferenças genéticas fundamentais, mesmo em relação a outros cães domésticos.
O mais fascinante é que essas diferenças genéticas estão na área do genoma associada à hipersociabilidade em pessoas diagnosticadas com um estado de saúde de origem genética chamado síndrome de Williams-Beuren. Embora esta síndrome tenha efeitos negativos na saúde das pessoas que a têm, faz com que também sejam muito abertas, empenhadas e sociáveis.
No entanto, nem todos os cães se inserem nesta categoria hipersocial — mas mesmo os que não se encaixam são invulgarmente receptivos a desconhecidos e outros cães.
Ao contrário de outros canídeos selvagens sociais, como os lobos, os cães domésticos podem viver felizes e em harmonia com animais diferentes e até com os da própria espécie que não sejam da sua família. É isto que torna tão fácil a integração dos cães nas nossas vidas.
Conseguem compreender-nos
Os humanos criaram selectivamente cães durante muitas gerações e, em muitos casos, educaram-nos para serem orientados no sentido de nos ajudarem em várias tarefas, incluindo a de serem nossos companheiros. Isto levou a que os cães domésticos nascessem com um interesse por humanos.
Desde tenra idade que os cães são orientados pelos rostos dos donos. Apesar de serem tão cooperantes como os lobos, tendem a ser submissos em relação aos humanos e a seguir as nossas instruções, ao passo que os lobos são mais corajosos e propensos a liderar quando cooperam com as pessoas.
A par disto, os cães também aprendem a seguir o nosso olhar e têm tendência a olhar para a esquerda quando olham para o nosso rosto, o que significa que passam mais tempo a olhar para o lado esquerdo da nossa cara (que seria o lado direito, visto da nossa perspectiva). Esta tendência surge em várias espécies quando estão a tratar informação emocional e revela que os cães estão a ler os nossos rostos para perceberem como nos estamos a sentir.
Durante algum tempo, também se pensou que estavam especialmente atentos aos gestos humanos, como o apontar, contudo, investigações recentes sugerem que outras espécies domésticas e algumas de animais selvagens também conseguem perceber o apontar.
Têm várias formas e tamanhos
Não há outra espécie que tenha uma variedade tão grande de formas e tamanhos como os cães domésticos. Nem mesmo os gatos ou os cavalos.
Os cães maiores podem ter cerca de 25 vezes o tamanho dos mais pequenos. Também há os que têm orelhas caídas ou pontiagudas além de tudo o resto que pode se diferente: com cauda, sem cauda ou com cauda curta, pernas curtas ou longas, narizes longos ou curtos — e com várias cores, comprimentos e texturas de pêlo.
Para os cães, esta variedade pode significar que têm mais a aprender do que outros animais quando se trata de compreender a sua própria espécie. Por exemplo, os donos de raças de pastoreio podem achar que o cão fica um pouco confuso ou mesmo defensivo quando encontra outro de focinho curto, como é o caso do bulldog.
Para nós, isto significa que devemos valorizar a maneira como o tamanho e forma dos cães podem influenciar o comportamento e as experiências deles. Por exemplo, os cães com nariz mais comprido têm uma visão mais nítida, enquanto os animais com um mais curto tendem a ser mais enérgicos e medrosos.
Criam laços emocionais profundos
Os cães domésticos criam laços com os cuidadores que são muito semelhantes aos que se formam entre as crianças e os pais. Isto pode explicar, em parte, o facto de conseguirem ler os nossos sinais emocionais, por que é que ficam angustiados (e tentam ajudar-nos) quando estamos aflitos e por que é que os estudos de ressonância magnética mostram que ficam felizes quando sentem o cheiro dos donos.
Além disto, pode também ser a razão pela qual entram em pânico quando se separam de nós. A ligação dos cães aos humanos vai para além do facto de serem hipersociais. Para eles, somos muito mais do que a comida que lhes damos e as bolas que atiramos. Somos uma figura próxima semelhante a um pai.
Despertam o melhor que há em nós
A maioria das pessoas que têm cães concorda que o seu lhes desperta o que há de melhor neles, que podem confiar nele, amá-lo incondicionalmente — por vezes mais facilmente do que a outro ser humano.
Além disto, estão a desempenhar um papel importante na terapia assistida por animais, ambiente no qual a presença sem julgamentos pode ser uma influência tranquilizadora e facilitar as interacções sociais. E podem, inclusive, ajudar crianças a aprender a ler e a diminuir a ansiedade.
Apesar de ajudar humanos com problemas emocionais poder ser uma tarefa difícil para uma espécie tão sensível do ponto de vista emocional, há investigações que sugerem que os cães certos podem estar à altura da tarefa se a carga de trabalho for gerida cuidadosamente.
Os cavalos também são utilizados nestas terapias, assim como alguns animais mais pequenos. No entanto, os cães são mais portáteis e sentem-se à vontade em ambientes estimulantes, como tribunais, escolas e aeroportos. Estão numa posição privilegiada para nos acompanharem para onde quer que vamos.
Dão que pensar
Gostamos de pensar que os cães são especiais por algumas das características que valorizamos nos humanos, como a inteligência, o altruísmo ou a natureza amorosa. No entanto, estes animais são excepcionais pelo simples facto de serem cães. São acrobatas sociais que conseguem encontrar harmonia social aonde quer que vão. Têm intensas vidas emocionais onde convivem com diferentes espécies e podem até criar laços fora da sua própria espécie.
Além disso, costumam ser tolerantes com os nossos modos primatas — e são bons a receber o nosso amor. Para mim, isso é suficiente.
Exclusivo P3/The Conversation
Melissa Starling é investigadora pós-doutorada na Universidade de Sydney, na Austrália