Era uma vez um lobo que atacou um pónei chamado Dolly. O pónei vivia numa quinta do Norte da Alemanha que pertencia à família de uma mulher chamada Ursula. Mais precisamente, Ursula von der Leyen. Vítima do ataque, Dolly morreu. A justiça autorizou uma ordem de abate do lobo Snowy, como depois lhe chamaram os conservacionistas. Ao que se sabe, Snowy conseguiu escapar e ainda não terá sido apanhado. 

Por esta altura já terá percebido que esta não é uma história qualquer. É baseada em factos reais e os nomes não foram alterados. A história da morte do pónei da presidente da Comissão Europeia é real e foi notícia no fim do ano passado, em vários meios de comunicação. Vem agora ao caso, a propósito de uma outra notícia mais recente que envolve também Ursula von der Leyen e os lobos. 

A União Europeia anunciou esta semana que vai rever o estatuto de conservação dos lobos, algo que grupos de pressão dos agricultores e dos caçadores reclamam há bastante tempo, em resultado da recuperação desta espécie em vários países europeus, como escreveu a jornalista Clara Barata nesta quarta-feira no Azul, numa notícia que também lembrava o incidente na quinta da família de Ursula von der Leyen. 

Seria injusto sugerir que a presidente da Comissão Europeia estará a considerar rever o estatuto de protecção do lobo por motivos pessoais (talvez fosse até mais correcto associar esta sua decisão aos grupos de pressão bem representados no "seu" Partido Popular Europeu, de direita) mas também é muito difícil ignorar a coincidência. Independentemente da sua motivação, Ursula von der Leyen está a responder a uma polémica. 

A discussão já dura há anos. "A concentração de alcateias em algumas regiões da Europa tornou-se um perigo real para o gado e potencialmente também para os seres humanos. Apelo às autoridades locais e nacionais para que actuem onde seja necessário. A actual legislação europeia já lhes permite fazer isso", declarou esta semana Ursula von der Leyen. 

De facto, nesta matéria, a legislação europeia permite que os países respondam aos desafios que encontram no seu território. E será seguro dizer que em Portugal não haverá motivo para abrir a caça ao lobo. Arrisco dizer até que em lado nenhum.

Por cá, o ministro do Ambiente, Duarte Cordeiro, já disse que não quer mudar o estatuto de protecção. A posição está preto no branco numa carta que assinou com onze ministros do Ambiente europeus, enviada em Fevereiro deste ano ao comissário europeu para o Ambiente, os Oceanos e as Pescas. Os 12 signatários lembravam o "papel indispensável" que os grandes predadores desempenham em matéria de regulação dos ecossistemas. 

Actualmente não sabemos exactamente quantos lobos existem e por onde andam em Portugal, onde o lobo-ibérico continua a ser classificado como estando "em perigo" de extinção. O anunciado censos tarda (anunciado para uma data "em breve" que nunca mais chega) e o que nos resta são os dados de 2002/2003, quando foram identificadas 63 alcateias — 51 confirmadas e 12 prováveis —, tendo sido ainda estimado um número populacional de entre 220 e 430 indivíduos. Hoje serão mais, espero que muitos mais, mas nada que justifique deixar de os proteger. 

Em meados do século XX, a população de lobos na Europa desceu a níveis muito baixos e ao abrigo da Directiva Habitats, de 1992, a UE decidiu proibir a captura ou morte deliberada de lobos selvagens. Apesar da má fama, os lobos cumprem um papel importante, enquanto predador de topo e necrófago. Em Portugal a proibição é anterior a essa directiva. A "lei de protecção do lobo-ibérico, que lhe confere o estatuto de espécie protegida em território português, sendo expressamente proibido o seu abate ou captura, bem como a perturbação ou destruição do seu habitat", entrou em vigor em 1988. 

O lobo recuperou e conquistou território, porque o protegemos. E isso é bom. Temos feito o mesmo com outras espécies e com sucesso. Porém, às vezes parece que a renaturalização tem limites. Levamos tauros para repovoar o vale do Côa, ajudamos a recuperar a população de linces-ibéricos num esforço de sucesso que uniu Portugal e Espanha, protegemos alcateias, ursos e castores, entre outras batalhas. E, de repente, temos lobos a mais, castores a mais, ursos a mais, tauros a mais, linces a mais? 

Tem de existir um controlo das populações que não passe por uma ordem de abate. Tem de existir um conjunto de medidas preventivas que permita reduzir a ameaça que estas espécies podem representar fora do seu território, mantendo-as no seu espaço onde desempenham uma função importante no equilíbrio do ecossistema. Temos de saber manter esse equilíbrio. Não é fácil, mas compete-nos a nós fazê-lo sem recorrer a um abate indiscriminado.

A protecção das espécies não pode ser feita como se aumentássemos e diminuíssemos a chama num bico do fogão. Sem controlo, deixar nascer para depois matar. Fazer isso com os lobos, tauros, linces ou qualquer outra espécie seria mais um capítulo da história do homem-mau. Que existe, essa sim, sem um pingo de ficção e muitos e variados exemplos e versões. 

O homem-mau que, por exemplo, também envenena os cães dos vizinhos nas aldeias quando estes lhes atacam as galinhas. Cães envenenados que regressam a casa para morrer. O homem-mau que deixa duas cabeças de lobos nas escadas de uma câmara municipal das Astúrias, em Espanha, como uma forma de "chantagem, mafiosa, à moda d'O Padrinho", como classificou o biólogo e especialista em lobos Juan Carlos Blanco em declarações ao El País. Os homens-maus que sabemos que existem, mas que esperamos sempre que sejam muito menos do que os homens-bons que protegem os animais.

A propósito, terminamos com o apelo na notícia da Clara que nota que a Comissão Europeia está a lançar um convite a "comunidades locais, cientistas e todas as partes interessadas, a submeterem dados actualizados até 22 de Setembro sobre a população de lobos e o seu impacto". Podemos fazê-lo através do endereço de e-mail ec-wolf-data-collection@ec.europa.eu.