A xenofobia começa a normalizar-se no discurso dos portugueses. Continuar a ignorar o elefante estrangeiro na sala não é a solução.
Sou descendente de emigrantes, de um lado da emigração para o Brasil no início do século XX. Do outro, pela emigração para França nos anos 60. O meu avô materno chegou a viver na Bidonville em Paris até conseguir construir a casa e trazer a família para morar consigo. Casei com uma ex-emigrante e parte substancial da nossa família alargada vive no estrangeiro. E trabalho com pessoas de todo o mundo. Ou seja, a emigração faz parte da minha vida.
Portugal sempre foi um país de emigração. O nosso défice populacional há muito que preocupa. Uma sociedade envelhecida, baixa taxa de natalidade e um êxodo de jovens que procuram melhores condições de vida e mais realização profissional. Por isso, precisamos de mais população, sendo a imigração a solução rápida. Mas precisamos de políticas de imigração e uma estratégia para que o resultado do influxo populacional seja positivo.
Sabendo que precisamos de muitos imigrantes. O estranho é não nos termos preparamos para isso, desconsiderando os impactos sociais que resultam das rápidas migrações, especialmente ao nível das percepções. Somos um povo com fama de saber receber, mas provavelmente, mais abertos a uns do que a outros. Talvez a herança da pobreza e atraso económico crónico nos definam. Os estrangeiros que trazem riqueza são bem-vindos, os outros, com quem a temos de partilhar, apesar de a ajudarem a criar, têm outro tratamento.
Há uma percepção, tendencialmente anedótica, de que Portugal foi invadido por estrangeiros, especialmente brasileiros. Segundo os dados oficiais, eram menos de 300.000 em 2022, sensivelmente menos de 3% da população. Ou seja, talvez bem menos do que pensássemos, fruto do enviesamento de vivermos em sociedades monoculturas. Talvez sejam mais extrovertidos do que outras nacionalidades, devido aos diferentes hábitos culturais que podem gerar choques. Isto está a criar uma percepção que começa a ser verbalizada nos discursos. É cada vez mais comum expressar preocupação pela percepção de descontrolo, situações de conflito e choque na convivência com os recém-chegados.
Quando os recursos ficam em causa, as nossas fragilidades alimentam ainda mais a xenofobia. Falta de médicos de família, de creches, jardins-de-infância e as escolas associadas às zonas de residência que ficam sem vagas. Inevitavelmente, quando entrarem os estrangeiros e os portugueses ficarem de fora, o sentimento de descontentamento vai crescer e a xenofobia consolidada, pois passamos a ter exemplos para a invocar. Os casos concretos de escassez, até da própria habitação, vão alimentar a percepção de invasão e perda de qualidade de vida associada a uma partilha forçada. Uma percepção que pode ser falsa, mas que se for suportada por histórias reais pontuais, se torna numa convicção. E pessoas convictas, mesmo sem fundamentação absoluta, são capazes de tudo.
Sabíamos que precisávamos de atrair imigrantes, especialmente porque falhámos noutras políticas. Sabemos que as migrações e o multiculturalismo podem gerar problemas, especialmente quando não temos um plano de distribuição de recursos, de mediação cultural e para lidar com as percepções. Mas continuamos a ignorar o problema, sem saber realmente receber, enquanto a xenofobia se vai normalizando.