É muitas vezes tomada por caridade. Como se fosse dar o peixe ao invés de ensinar a pescar. E também um meio de nos colocarmos nos sapatos dos outros. Mas é só quando passamos realmente por situações semelhantes que sentir identicamente se torna possível. O tal “choque” que muitas vezes admitimos como sendo a exclusiva condição para a intersubjectividade.
Assim sendo, a empatia é o mais próximo que temos de, sem vivermos as mesmas experiências, compreendermos as mundividências e os sentimentos de outrem. De entendermos a alteridade na sua plenitude. É a ponte entre o que apelidamos de instinto animal de protecção e a racionalidade humana que encontra no diálogo o progresso. A empatia valoriza-nos enquanto sujeitos pensantes e sencientes, capazes de encontrar em cada outro ser humano as esperanças do mundo.
As complexidades vertiginosas da actualidade, contudo, afastam-nos do cosmo empático. Tudo é rápido, tudo é inconstante e muita coisa está oculta. As várias esferas do real, permeáveis a mudanças constantes, colocam-nos desafios em que temos, quase como que mecanicamente, dar respostas perentórias e que não podem ter consequências pejorativas. Na velocidade desenfreada parece não haver espaço para o carinho, a escuta activa, o aconselhamento pedagógico — porque a empatia é algo ligado à calma e ao respeito, e o respeito não é conseguido com frases supérfluas de um apoio ausente.
Mas será verdade que a pressa diária nos impede de activarmos a nossa inteligência emocional? Terão todas as respostas de ser curtas, vagas e violentas? Talvez seja nas ocorrências fugazes que conseguimos apurar o tamanho empático de determinada pessoa. Saber responder com amor numa altura em que tudo parece estar a ruir é uma demonstração eficaz de solidariedade cognitiva e psicológica. É como uma educação pela compaixão: empoderadora e promotora da agência reflexiva e da liberdade.
A verdade é que, no atributo de humanos, nem sempre nos encontramos ausentes de raiva, inveja ou tristeza. Porém, a ausência de empatia tem sido mais notada por cada um de nós nos últimos anos, como se se tivesse criado uma relação inversamente proporcional entre o crescimento da riqueza material e a preocupação com os outros. No fundo, tem um sentido muito coerente essa realidade: o individualismo, a insuflação do "eu", só tem lugar porque acreditamos que podemos ter cada vez mais, sem ter em conta que os esforços dessa missão nos atiram para um encerramento paulatino à sociedade. Damos progressivamente mais e mais a nós mesmos e menos a todos os outros indivíduos. Somos pouco cidadãos na atenuação da fragilidade dos mais desprotegidos.
As redes sociais digitais auxiliam-nos nesta perda de sentido comum. Encapsulam-nos em máquinas de publicação que se tornam anacrónicas em cada segundo. Ajudam-nos a incrementar o exibicionismo instantâneo. Ao invés de as utilizarmos como ferramentas de trabalho compomos instâncias de auto-sobrevalorização, mostrando o melhor acesso a uma casa, a uma piscina, a um carro ou a uma paisagem. Rimo-nos da posse sem nos lembrarmos que, simultaneamente, troçamos de quem nada tem. Consideramos o direito à habitação, ao prazer ou ao ambiente como um luxo que obtivemos pelo nosso trabalho árduo como self-made man/self-made woman, na nossa lógica neoliberal de selectivamente ignorarmos que os estados de partida não são equivalentes. A empatia não passa apenas por prantear pelo rebento mais carente: trata-se de assegurar medidas para que possa sonhar com uma vida melhor.
Se há algo que a abundância hodierna nos pode proporcionar é a criatividade para atingirmos maior bem-estar para todos. Parece que estamos a desistir desta visão; mais desigualdades ampliadas são fonte de uma injustiça social que, um dia, também se vira contra nós, qual efeito bumerangue já analisado pelo sociólogo Ulrich Beck em Sociedade de risco. Sem a comunicação não seríamos ninguém. Ou, por outras palavras, "Eu Sou Porque Tu És", a Filosofia Ubuntu no seu principal pilar.
A tentativa deverá ser de abrandamento das relações de poder, eliminando todos os tipos de condescendência. Sabermos partilhar é a melhor forma de criarmos dignidade. E o significado derradeiro da vida, por mais que o possam negar.