Os não vistos: “O essencial é invisível aos olhos”

Não os vi. Estava de férias na praia a fruir, sorrindo, tão só. Contou-me em lágrimas quem, tendo-os visto, interrompeu o seu trabalho no campo para os ajudar, tão sós.

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Não os vi, tão perto de mim e tão longe da fruição em que estava, ciente da afortunada que sou, mesmo sem os ter visto.

Não os vi. Estava na praia, em dia de sol quente salgado pelo mar algarvio. Não os vi, pois, em dia de sol quente, salgados pelo suor do trabalho.

Com cheiro a caril selvagem nas dunas, não os vi entre alfarrobeiras a inalar o pó que dos seus pés se levantava. Envolvida em perfume de maresia, não os vi inebriados pelo odor da serra.

Ao som dormente de gaivotas, não os vi entre o zumbido gritante de cigarras. Embalava-me na melodia das ondas e não lhes ouvi ondulante o lamento abafado.

Punha o cadeado na bicicleta resplandecente que mantinha a meu lado e não os vi a medir a distância que os separava do tractor velho e carcomido. Alongava relaxadamente sobre a toalha de algodão na areia suave e não os vi, com o dobro da idade que tenho, de costas dobradas e músculos doridos a arrastar sacos de serapilheira em chão árido. Ajustava o vestido leve e solto e não lhes vi as vestes sujas e ruças. Espalhava protector solar e não lhes vi os dedos gretados. Não os vi quando mergulhava no mar e se inundavam em dúvida.

Colhia figos bravios por puro deleite e não os vi a apanhar alfarrobas para sobreviver. Bebia frescas caipirinhas e não os vi quando se lhes esgotava o esquentado cantil.

Não os vi quando pensava que biquíni comprar, quando desejavam algo poder vender. Estava a decidir para que praia iria no dia seguinte e não os vi quando o sol se punha e sabiam ter mais um dia de faina quando se levantasse.

Contemplava conchas luzidias de cores brilhantes e não os vi fitarem as fissuras ocres do terreno que teriam de atravessar. Limpava os meus óculos de sol e não lhes vi os sulcos no olhar gasto. Tirava fotografias à beira-mar e não os vi quando a única imagem que se retinha em quem os viu era a de quem, em seca, vive à margem.

Não os vi. Engrossava o rol de turistas que elegem o Algarve como destino predilecto de férias, fazendo quase triplicar a população no período de verão e desejando que passem rapidamente os 11 meses seguintes, para poderem voltar à que acham ser a melhor Região de Turismo de Portugal, a que condensa cerca de um terço das dormidas do país.

Não os vi. Contribuía para o crescente Valor Acrescentado Bruto gerado pelo Turismo e não lhes vi a parcela do decrescente Valor Acrescentado Bruto da Agricultura.

Respondia a mensagens no smartphone dizendo “Sim, estou no paraíso algarvio!” e não os vi destituídos de tecnologia a contestar o inferno bravio.

Não os vi. Estava de férias na praia a fruir, sorrindo, tão só. Contou-me em lágrimas quem, tendo-os visto, interrompeu o seu trabalho no campo para os ajudar, tão sós.

Não os vi. Embrenhava-me na leitura de obras de ficção. Ainda que soubesse que a realidade, essa, não vai de férias.

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