Os antigos já eram modernos e os modernos têm muito que aprender

As alterações climáticas trouxeram desafios à viticultura que as tecnologias tentam resolver, mas regressar às origens pode ser uma resposta válida para o futuro da vinha.

Foto
Na vinha, 2023 promete ser um ano generoso de produção e de boa qualidade Nelson Garrido
Ouça este artigo
00:00
05:43

Um pouco por todo o mundo, as temperaturas extremas e as intempéries estão a provocar estragos. A terra sofre e com ela a vinha, o que está a mudar o vinho que se consome. Os novos hábitos dos consumidores são também a resposta às alterações climáticas, em que a preferência recai em vinhos mais frescos e com menor teor alcoólico. Os produtores adaptam-se no terreno e na adega, com os olhos postos no futuro.

João Maria Portugal Ramos defende que, se há muita paixão na arte de fazer vinho, este tem de ser um negócio rentável e os desafios e as consequentes mudanças acarretam custos. “As alterações dificultam o nosso trabalho e metem medo. Infelizmente, a indústria do vinho é pobre e não consegue investir o que devia em tecnologia, mas devagar lá se chegará.” Quanto mais pequena a área de vinha, maiores são as dificuldades de modernização, é essa a realidade nos vinhos Chão de São Francisco, em que a biotecnologia não é uma ferramenta. “É algo inevitável”, concorda o proprietário José Luís Nunes, “mas só com apoios do Estado produtores da nossa dimensão conseguem adoptar este tipo de tecnologia. Por agora, temos um país que vive a várias velocidades nas questões da terra.”

É a décima vindima de João Maria Portugal Ramos e a 42.ª do seu pai, João Portugal Ramos, duas gerações que se completam no saber fazer e na visão para a vinha. Com 30 anos de experiência, sobretudo na região do Alentejo, onde está a sede do Grupo JPRV, na Adega Vila Santa, em Estremoz, a cada colheita é preciso atender às necessidades do terreno, ajustar o calendário às oscilações da temperatura da região e criar dinâmicas locais que promovam o desenvolvimento rural assente em práticas sustentáveis.

Nesse sentido, todas as vinhas do Grupo, que se estendem também às regiões de Douro Superior e Beira Atlântica, num total de mais de 600 hectares, são certificadas para produção integrada com uma gestão racional dos recursos naturais e combatendo a erosão com o enrelvamento e a plantação de espécies herbáceas, para conservar a humidade, aumentar a fertilidade e promover a biodiversidade, que previne algumas pragas nas videiras. De igual modo, a aposta na produção biológica tem aumentado e representa “um terço da produção no Alentejo e quase 10% no Douro”.

A maior preocupação é a gestão dos recursos hídricos, não tanto pela escassez de água, mas a sua retenção e distribuição. Em 2020, foi implementado um sistema de reutilização das águas da ETAR na irrigação das vinhas e contam com três charcas, reservatórios importantes que alimentam a rega gota-a-gota, supervisionada através de um sistema de controlo meteorológico especializado que permite ajustar a utilização da água às necessidades. “A curto prazo, vamos fazer mais duas charcas e tentar captar a água dos ribeiros, uma estratégia importante para o aproveitamento da água das chuvas intensas no Inverno.”

Um compromisso entre o passado e o futuro

Em Lourosa de Cima, nas proximidades de Viseu, o projecto familiar Chão de São Francisco, iniciado em 1996, por Sónia Marques e José Luís Nunes, com o objectivo de produzir e comercializar vinhos DOC da região do Dão, compreende uma área de oito hectares e meio de vinha, a que se juntam mais três hectares, na Região Demarcada de Lafões, extensões pequenas onde se experimentam soluções entre cada vindima. “O tempo é a principal variável deste negócio, quer na qualidade, quer na quantidade da produção, e está cada vez mais imprevisível. Temos de ter sempre um plano B e estar mais atentos aos perigos que advêm das pragas”, reconhece o proprietário.

Na vinha, recorre a operações baratas, como seja “o recurso a um ripper, que obriga as raízes preguiçosas a crescer na horizontal e que teve o efeito secundário e benéfico de reter a água no solo”, ou “intercalar a não-aplicação de herbicidas e a utilização de uma alfaia intercepas, para retirar as ervas junto à videira e descontaminar o solo”, ou “mecanizar parte da poda”. A observação dos resultados atesta a sua eficácia, e vão assim “apalpando terreno”.

Na João Portugal Ramos, há práticas que são ancestrais e que beneficiam a comunidade, como as parcerias com pastores locais. “A presença de ovelhas nas vinhas elimina as ervas das primeiras chuvas e é benéfico também para o ambiente”, refere João Maria Portugal Ramos. Noutras situações, a tecnologia é a resposta para problemas como a falta de mão-de-obra. “Em 2019, iniciámos o projecto de uma vinha totalmente mecanizada, que só requer um tractorista. Este ano, já vamos ensaiar em algumas parcelas, no Alentejo.”

No Chão de São Francisco, mantém-se a apanha manual, um desafio cada vez maior face à falta de mão-de-obra. “Temos pessoas entre os 65 e os 80 anos na apanha. Falta quem queira trabalhar na agricultura e quem vem das universidades não está preparado. Trabalhar no campo implica estar debaixo de sol e chuva, só assim se pode observar e compreender a natureza.”

Nos últimos quatro anos, recuperaram a pisa a pé em lagares com mais de 400 anos. “Voltámos ao que se fazia antigamente. Os lagares estavam numa parte da propriedade que não estava recuperada e, só agora, reunimos as condições para tirar partido do património histórico que possuímos.” Se há um legado que fica para as gerações vindouras, José Luís Nunes defende que é preciso educar os consumidores. “O enoturismo tem um papel educativo fundamental para se perceber as boas práticas na vinha e valorizar o vinho.”

A natureza é soberana, cabe ao homem adaptar-se. Na vinha, 2023 promete ser um ano generoso de produção e de boa qualidade. Porém, já diz o ditado popular: “Até ao lavar dos cestos é vindima.”

O futuro da vinha é o tema do novo episódio do videocast Perguntar Futuro, disponível​. À conversa com Diana Duarte estão o engenheiro agrónomo e co-fundador da Orgo Sérgio Nicolau e Natacha Fonte, gestora de Inovação & Desenvolvimento da Sogrape. Pode assistir ao episódio em publico.pt/perguntar-futuro.

Sugerir correcção
Comentar