Sou médica interna e frequentemente assisto a consultas de colegas, alguns homens, e, não raras vezes, ouço um comentário: “Gosto muito de si doutor, prefiro médicos homens, são mais dedicados”. A verdade é que esta afirmação que é feita por doentes, também é feita por colegas. Muitas vezes ouvi “não quero atender só mulheres, são muito mais complicadas”.
Estes comentários reflectem os imensos preconceitos que existem em relação às mulheres, enquanto pessoas e profissionais. E digo que são preconceitos porque, conhecendo o trabalho de uns e de outros, afirmo com convicção que a dedicação e a competência não são dependentes do género. Não acredito na existência de qualidades, valores, modos de vida e de estar especificamente femininos. Isso seria admitir uma natureza feminina diferente da masculina, e a natureza criou o ser humano, diverso na sua complexidade, complexidade essa que em pouco deriva do género.
Historicamente, a saúde das mulheres sempre assumiu um papel secundário, provavelmente derivado dos mitos sobre a histeria. A palavra histeria procede do grego antigo hystera, que significa útero. Hipócrates (460-370 a.C.) acreditava que movimentos oscilatórios do útero podiam causar histeria, um quadro clínico que incluía ansiedade, irritabilidade, depressão e até convulsões.
Esta visão redutora sobre a saúde da mulher perdurou até ao século XIX, mas ainda hoje pairam cinzas destes tratados clínicos. Comparativamente aos homens, as mulheres têm um risco 50% superior de receber um diagnóstico errado após um enfarte agudo do miocárdio e 33% superior após um acidente vascular cerebral (AVC).
Estas diferenças devem-se à ideia de que a somatização é um padrão feminino, e, portanto, um diagnóstico primário em vez de um diagnóstico de exclusão. O útero sempre teve as costas largas e é com relativa facilidade que se atribuem as dores e maleitas das mulheres a este pequeno órgão - afinal não estão doentes, são só histéricas.
Apesar do desenvolvimento social e económico das últimas décadas pretender colocar a mulher em posição semelhante ao homem, a verdade é que a mundanidade continua mais exigente com aquele que é conhecido como “o segundo sexo” (Simone de Beauvoir). Predomina ainda a visão que atribui à mulher mãe a principal responsabilidade pela educação dos filhos e como aquela de quem essencialmente depende a estabilidade de uma família.
Esta visão continua a persistir, não obstante as provas que as mulheres já deram e continuam a dar da sua capacidade profissional, ombreando lado a lado com os seus colegas homens, com iguais talentos e capacidades, mostrando que em nada são falhas em relação ao homem quando se joga o jogo da meritocracia.
Mas a tarefa é mais árdua para a mulher, porque lhe são pedidas responsabilidades que são subtraídas ao homem, sobretudo no plano familiar. A missão é ainda mais árdua quando o público não perdoa à mulher aquilo que nem releva no homem: a pequena falha, a rispidez momentânea ou um discurso mais austero. O mundo é mais compreensivo com o homem, não fossem as obrigações sobretudo femininas, e o homem está cansado, apesar do trabalho lá fora ser o mesmo para os dois.
Talvez as mulheres não sejam histéricas, talvez as mulheres estejam só cansadas, afinal lá fora trabalham o mesmo, dentro de casa trabalham o dobro. Talvez a lupa deva ser tão afinada para o homem como para a mulher. Talvez os nossos filhos devam aprender o mesmo que as nossas filhas. Talvez a exigência deva ser a mesma para os dois sexos, em tudo e não em parte.
Talvez seja hora de todos nós nos abstermos de avaliações de competência e carácter baseadas no género, de fazermos um trabalho interior onde colocamos de lado os caracteres sexuais e olhamos para o resultado final. Porventura, quem sabe, o resultado seja o mesmo quer o médico seja homem ou mulher, quer o doente seja homem ou mulher.