A indústria de entretenimento japonesa quer que o governo volte atrás com a nova lei de impostos, com os artistas a dizerem que o aumento das taxas vai levar a indústria à falência.
No Japão existe um imposto sobre o consumo que se assemelha ao IVA da União Europeia. Este imposto aplica uma taxa de 10% em vendas de bens e serviços, para importação ou a nível doméstico, e uma taxa de 8% aplicada em certos produtos alimentares e bebidas. Algumas transacções, como as de exportação, estavam isentas. Com o novo sistema de facturação, que deverá entrar em vigor em Outubro, o imposto sobre o consumo vai ser aplicado até mesmo em negócios com um valor de vendas anuais inferiores a dez milhões de ienes (63 740 euros). Se até aqui empresários em nome individual e artistas independentes estavam isentos deste imposto, vão deixar de estar, escreve o Libération. O governo japonês defendeu as alterações alegando que “o sistema de facturação é necessário para uma colecta justa do imposto sobre o consumo”.
Esta mudança afecta trabalhadores que podem ser considerados freelancers, como um condutor de táxi independente ou um consultor. Vai atingir também profissões criativas, como ilustradores, actores de voz, animadores, escritores, artistas de manga (mangakás), profissionais do teatro e youtubers. O novo sistema tem causado protestos, especialmente dos profissionais do meio artístico. Um grupo de voluntários chamado Stop Invoice está a divulgar o problema em conjunto com activistas preocupados com o futuro da indústria de teatro e anime, de editores freelancers, artistas de manga (a típica banda desenhada de estilo japonês — lê-se mangá) e actores de voz. Surgiu também o Voiction, um grupo de actores de voz que se têm oposto às alterações. Para explicar os problemas da nova lei, o grupo produziu uma série de animação no YouTube.
De acordo com o site de notícias japonês Natalie, em Novembro de 2022 quatro grupos da indústria de entretenimento do Japão organizaram uma conferência de imprensa a pedir a revisão do novo sistema, explicando que freelancers da indústria podem ser forçados a abandonar o negócio, pois não têm como comportar os impostos adicionais e os rendimentos reduzidos. Leon Yutaka, da associação de artistas de manga, explicou que as principais formas de rendimento que têm são as comissões que ganham por guião e o que recebem por direitos de autor. O artista explicou que nos últimos anos o valor das comissões não aumentou devido à estagnação económica do Japão e à recessão da indústria editorial. Por sua vez, os direitos de autor são proporcionais à venda dos livros, o que cria disparidade entre artistas de manga.
O governo japonês promove manga e anime como um dos apelos da estratégia de marketing Cool Japan. Yutaka, citado pelo Natalie, explica que, com estas mudanças, a estratégia japonesa vai ser engolida pelas indústrias da Coreia do Sul e da China e todos os trabalhos, com a excepção das grandes editoras e de autores famosos, vão ser vendidos. “Manga vai deixar de ser uma cultura japonesa da qual nos podemos orgulhar”, afirmou.
Uma outra questão que tem levado à contestação da lei é a privacidade. Este novo sistema implica que o nome real, os números de registo e as datas de registo sejam disponibilizados no site da agência de impostos japonesa. No Japão muitos criadores trabalham sob pseudónimos e optam por preservar a sua privacidade.
As condições de trabalho
Apesar de a indústria de animes e manga ser cada vez mais popular e lucrativa, as condições de trabalho revelam-se precárias. A venda de livros e revistas de manga no Japão alcançou um recorde de 677 mil milhões de ienes (4310 mil milhões de euros) em 2022. No entanto, muitos dos animadores, especialmente os mais jovens, “trabalham longas horas por baixos salários”. Ao site Natalie, o director de anime Naomichi Yamato explicou que muitos estúdios estão com falta de trabalhadores, e recrutam animadores pelas redes sociais. “Os artistas são colocados nos locais de trabalho sem formação e sem fazerem ideia se estão a fazer um trabalho em condições ou não”, afirmou o director.
Há casos de mangakás que anunciam a saída da profissão ou desenvolvem problemas de saúde por causa das condições de trabalho. Numa entrevista ao Screenrant, o conhecido autor Aka Akasaka refere que, ao contrário das bandas desenhadas dos EUA, que são trabalhadas por uma equipa de especialistas que incluem um autor, ilustrador e colorista, muitos mangas são feitos por uma única pessoa que é responsável pela escrita, ilustração e lettering de cada capítulo. Embora os grandes nomes da indústria consigam financiar assistentes para os ajudar, a maior parte do trabalho é feito por eles mesmos. A carga horária também é elevada, visto que as datas de publicação exigem que saiam capítulos novos todas as semanas ou de duas em duas semanas.