Na minha licenciatura em História passei imenso tempo a estudar economia medieval. As feiras, por exemplo. Depois, já no período da Baixa Idade Média, as novas forças económicas, dos bancos ao sistema que mais tarde daria origem ao capitalismo. Lembro-me de estudar isto somente por prazer, pois por essa altura já trabalhava no ramo da engenharia há uns anos. Ou seja, para mim a História sempre foi uma paixão, mas estou muito longe de poder dizer que sou um historiador, mesmo tendo a formação base.
Foi com grande interesse e curiosidade que fui acompanhando as primeiras feiras medievais que se faziam em Portugal. Fui às mais conhecidas, mas com o tempo fui perdendo o interesse. Nem a parte de entretenimento era especialmente empolgante, nem o rigor histórico fascinava. A imersão perdia-se a cada nova visita. Apesar disso, acredito que as maiores e mais antigas se esforcem por procurar novas formas de envolver as pessoas e primar por algum rigor histórico, tendo consultores para o efeito.
O conceito massificou-se. Agora existem feiras medievais em todo o lado, surgindo em locais com pouca relevância e ligação histórica ao período medieval, ou onde a história local pouco ou nada se explora. São empresas que prestam o serviço, com programas mais ou menos genéricos. A massificação traz a indiferenciação. Sendo eventos que acabam por falhar nas estratégias de marketing territorial inicialmente definidas. Se todos fazemos o mesmo, qual a razão de nos deslocarmos a um sítio em particular? Algumas feiras tentaram alargar tanto os conceitos, que permitem que se venda e faça de tudo, desde que metido dentro de uma suposta tenda medieval. São opções. Provavelmente haverá quem goste, mas quem busca rigor histórico não irá frequentar estes locais, consumir e contribuir para a dinâmica de recriação.
Como apaixonado por história, mas também próximo das abordagens lúdicas, a dualidade parece-me clara. Mas estamos perante casos semelhantes ao que ocorre na indústria dos jogos. O jogo pode ser um excelente produto de entretenimento, mas também ter qualidade e rigor quando pretende ser uma ficção histórica. Ou seja, não será documental, mas a construção narrativa e o tipo de liberdade de interacção, mecânicas e progressão podem ser coerentes com o conhecimento histórico. Claro que o cinema e outros media contribuem para idealizar, romantizar e exagerar as realidades históricas. Por isso tendemos a replicar esses modelos.
Será forçoso que as feiras medievais mudem. Vai ser necessário diferenciar. Com certeza que quem compra estes serviços vai começar a querer oferecer experiências diferenciadas às pessoas que as frequentam. Uns provavelmente vão seguir pela massificação, transformar tudo em produtos e serviços vendáveis de consumo rápido. Outros, provavelmente, vão tentar seguir o rigor histórico. Quer seja uma ou outra via, as diferenças vão saltar à vista, e o público será diferente. Outra opção será ter as duas dimensões, com avisos explícitos. Talvez seja mesmo isso que falte: atenção, este evento não é baseado em factos históricos!