Ainda bem que as crianças fazem birras

É saudável que no pensamento dos pais exista sempre uma dúvida, mesmo que pequena, sobre qual poderá ser a razão “não imediata” para uma birra.

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As birras são sempre justificadas, querem significar alguma coisa para a criança Getty Images
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Sim, ainda bem que as crianças fazem birras. As birras devem ser encaradas como manifestações para nos avisar que temos de cuidar das suas necessidades. As birras são completamente normais e esperadas, fazem parte do desenvolvimento infantil, porque as birras são uma forma de as crianças exprimirem/exteriorizarem sentimentos e emoções, face a situações com que se vão confrontando no seu quotidiano, através de comportamentos, como o choro, os gritos, o deitar-se para o chão, o atirar objetos, a grande agitação motora, que variam em intensidade dependendo de cada criança, mas também de diversos outros fatores que lhes são externos.

As crianças fazem birras, entre outras coisas, porque estão cansadas, porque têm sono, porque têm fome, porque têm medo, por barulho excessivo, ou porque sentem falta da atenção. As birras são uma forma de demonstrar raiva, tristeza e/ou insegurança face a situações de que não gostam e que por vezes não são exatamente as que nos parecem mais óbvias. Uma criança pode fazer uma birra que nada tem que ver com a imposição que lhe é feita num dado momento, por exemplo, a obrigação de comer, mas apenas porque quer chamar a atenção para si, por se sentir afetivamente esquecida.

Estas exteriorizações são mais intensas quanto mais novas são as crianças. Quando são muito pequeninas e ainda não têm linguagem verbal suficiente que lhes permita lidar e expressar as suas emoções numa conversação, as crianças expressam-se através de comportamentos essencialmente não verbais.

As crianças a quem não foram ensinados os limites razoáveis de um comportamento e dadas condições para verbalizarem a sua discordância de alguma situação de maneira racional usam preferencialmente a birra como forma de expressão.

As birras são sempre justificadas, querem significar alguma coisa para a criança e, por isso, devem ser encaradas como reações a corrigir, procurando perceber primeiro as suas causas, que podem ser variadas.

É saudável que no pensamento dos pais exista sempre uma dúvida, mesmo que pequena, sobre qual poderá ser a razão “não imediata” para uma birra.

Respondendo a um pedido de ajuda de uma mãe que nos perguntou: “Como gerir as birras? É muito difícil gerir as birras e a frustração, o meu filho fica descontrolado, bate, atira coisas, quando fica mesmo zangado por ser contrariado. Tenho muita dificuldade em gerir estes momentos, em saber o que fazer, como parar este comportamento.”

Perante uma situação de birra de uma criança, os adultos precisam ficar calmos e seguros, manter um tom de voz tranquilo, evitando o confronto direto que muitas vezes se caracteriza pela adoção de comportamentos coercivos. Os adultos não se podem esquecer que são os modelos para o controlo emocional das crianças, pelo que pais seguros e calmos têm filhos seguros e calmos.

Perante uma situação de birra é preciso que o adulto use a sua maior capacidade de pensamento e conversação para cuidar da criança, oferecendo palavras e gestos afetuosos de conforto e carinho: um abracinho, um beijo, o colo, pôr-se de cócoras ou de joelhos no chão para ficarmos ao nível das crianças, olhar nos olhos. Estas formas de interação podem ajudar muito a acalmar a criança e, principalmente, a transmitir-lhe a confiança de que tem junto de si alguém que se preocupa com as suas emoções.

Para evitar as birras devido a causas fisiológicas é fundamental manter rotinas, como os horários para comer, para dormir e descansar. Muitas vezes, os pais questionam porque é que na creche ou na escola os filhos fazem menos birras. A razão é porque as rotinas e horários nestes contextos são securizantes para a criança, evitando assim a ocorrência de birras relacionadas com a satisfação das suas necessidades.

Se compreendermos e identificarmos padrões de comportamento, isto é, quais as situações em que cada filho tem mais propensão para fazer uma birra, podemos prevenir essas situações, fazendo uma boa gestão de forma a evitar ou contornar a birra. Se sabemos, por exemplo, que, se a criança não comer numa determinada hora, vai ficar com fome, potencializando uma birra, é importante promover uma rotina estruturada que evite esta situação. O mesmo se pode fazer com a higiene, evitando que o horário do banho seja a uma hora em que sabemos que a criança começa a ter sono.

Para gerir os comportamentos de birra, é fundamental que se assegure uma consistência normativa, a partir da coerência e clareza nas regras e limites criados por ambos os pais e seguidas por ambos, sem ambiguidades, para as crianças perceberem o que é esperado delas e se sintam seguras. Os pais inseguros são inconsistentes em relação ao que toleram ou não toleram. As crianças percebem-no e tornam-se elas próprias inseguras, o que é muitas vezes a causa das birras.

Outra forma de lidar com situações de birra é procurar chamar a atenção da criança para outra coisa ou atividade, propor alternativas, procurar soluções, distraí-la, perante uma situação de um desejo ou pedido a que não é possível corresponder. Se a criança, por exemplo, quer ir ao parque, mas está a chover e frio, pode propor-se realizar atividades em casa, como um jogo, construir uma tenda com lençóis e almofadas no quarto, despertando assim outros centros de interesse.

Os adultos sentem as birras particularmente embaraçosas quando ocorrem em público, por temerem as reações dos presentes. Nestas situações é muito importante não cair na tentação de ter um comportamento mais austero, e usar os comportamentos mais adequados que acima sugerimos, agindo exatamente da mesma forma, como se estivessem em casa.

Os adultos devem lembrar-se que as birras não são exclusivas das crianças pequenas, e que os jovens e até, frequentemente, os adultos podem fazer birras não se conseguindo autorregular, nomeadamente quando perdem a tranquilidade necessária à abordagem mais racional de um problema, porque se sentem sobrecarregados por emoções, porque se sentem cansados, ou simplesmente porque têm fome.

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