E assim se faz Portugal
Como na cantiga do Fausto “assim se faz Portugal. Uns vão bem e outros mal”. Também no desporto.
Para além de Portugal, não conheço outro país europeu de matriz democrática em que a mais alta figura do Estado receba delegações desportivas pelos mais diversos motivos, que vão das conquistas de títulos a simples apuramentos para as fases finais de competições desportivas.
Para além de Portugal, não conheço outro país europeu onde, com frequência, o primeiro-ministro se desloque aos treinos de selecções nacionais, participe em convívios com os seus intervenientes e seja presença regular nas respectivas competições desportivas.
Para além de Portugal, não conheço outro país europeu onde um dirigente de um clube desportivo imponha temor aos decisores políticos a ponto de tudo procurarem fazer para obter as suas simpatias ou, no mínimo, escaparem às suas críticas.
Quem não conhecesse a história desportiva deste país e as suas relações com o poder político, desde o tempo da 1ª República, imaginaria que estávamos perante um país único no que respeita à atenção que os mais altos dignitários do Estado dedicam ao Desporto.
Mas não! Se procedermos a uma análise mais fina da situação constatamos que o modo como as mais altas figuras do Estado distribuem a atenção às diferentes modalidades desportivas, que não consta que tenham, no plano constitucional, uma hierarquia de importância distinta, é basicamente assente numa modalidade. É, por isso, uma escolha política decorrente de uma determinada cultura desportiva.
Essa decisão política assenta no facto de a escolha recair sobre a modalidade que em Portugal tem maior expressão desportiva e maior destaque no plano social e mediático. O problema não reside neste reconhecimento, que é incontestável. Reside na constatação do mesmo ser acompanhado de um esquecimento que é censurável.
E é censurável porque o Estado, e os seus representantes, deveriam ter uma preocupação social acrescida e de proximidade precisamente junto daqueles que recolhendo menor atenção mediática sofrem as respectivas consequências e enfrentam maiores dificuldades de desenvolvimento. A opção de dar prioridade à atenção aos mais fracos, aos mais carenciados, aos mais desprotegidos, aos que necessitam de maiores apoios do Estado é um traço distintivo em qualquer política com preocupações sociais.
As conquistas desportivas de uma selecção nacional são alcançadas representando um País. As selecções desportivas nacionais são todas representantes de Portugal. Todas! A diferença relevante que se encontra entre elas é que umas representam modalidades de maior expressão desportiva e outras de menor. É natural, por isso, que a atenção mediática seja desigual. O que é censurável é que a atenção política se meça exclusivamente por critérios de natureza mediática e se concentre apenas numa modalidade desportiva, aqui e acolá entrecortada com incursões sem consistência ou continuidade em outras modalidades desportivas.
Este comportamento não é ditado por variáveis financeiras tantas vezes invocadas para justificar esta ou aquela decisão. Ele reside nas profundezas da cultura desportiva que enforma as decisões de âmbito político. Ele expressa, reproduz e acentua debilidades endémicas da cultura desportiva nacional. Ela traduz um traço impressivo das fragilidades da educação e literacia desportiva de um País, que, naturalmente, afecta também os seus atores políticos.
E, se os partidos políticos, com raras excepções e sem continuidade no tempo, dedicam pouca atenção e interesse ao pensamento político em torno do desporto, a actual agenda europeia, completamente capturada pelos resquícios do pensamento neoliberal, centrada na regulação do desporto profissional e da actividade física ao serviço da saúde, num quadro de competências residuais da União no domínio do desporto, torna difícil, para um país como Portugal alterar estas circunstâncias e suprir as penosas vulnerabilidades que se verificam no que concerne ao desenvolvimento desportivo nacional.
Como na cantiga do Fausto “assim se faz Portugal. Uns vão bem e outros mal”. Também no desporto.