A ideia de emprego para toda a vida

Sair quando algo não é coerente com os nossos valores não pode ser encarado enquanto fracasso, como se estivéssemos condenados a nada ter: a dedicação na procura por algo melhor tem de ser valorizada.

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Megafone P3: Entre o fracasso da desistência e a importância da resistência energepic.com/Pexels
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Actualmente sabemos que o mercado de trabalho é uma realidade profundamente volátil, com circuitos de entradas e saídas e reconfigurações várias. A ideia de emprego para toda a vida existia num contexto de uma modernidade sólida, fruto da estabilidade dos modos de vida e da menor competitividade impressa nos processos de recrutamento e selecção. Tal traduzia-se numa maior previsibilidade dos trajectos humanos em termos de possíveis ganhos.

As coisas pareciam mais fáceis ou, pelo menos, mais expectáveis. Ninguém diz que viver no passado significava necessariamente maior abundância, mas sim que o livro do futuro estava mais aberto e nos revelava os caminhos que faziam mais sentido seguir. Hoje a realidade é outra e as lentes com que vemos o mundo dão-nos poucas respostas comparadas às dúvidas que nos assaltam.

Durante a minha jornada pela procura de emprego estive em algumas situações em que bastaram dois ou três dias para perceber que aquelas funções não eram para mim.

Não se tratava apenas de estar a executar um trabalho bastante abaixo das minhas qualificações – já se assume que, em 2023, tenhamos de começar mesmo pelos níveis inferiores, pois só assim conseguimos (eventualmente) alcançar o patamar que nos diz respeito; era muito mais do que isso, um sentimento de ausência de vínculo de identidade que me conduzia a um estado de sofrimento.

Muitos estudiosos de diversas áreas do conhecimento têm compreendido que o lugar do trabalho tem perdido (no mínimo algum) papel no quotidiano das pessoas. O desenvolvimento de uma sociedade de bem-estar tem levado a um privilégio da saúde mental e do lazer em detrimento de um passado em que os trabalhadores viam nos seus empregos uma dimensão imprescindível das suas identidades e uma extensão da vida privada, passando horas a trabalhar em prol do sucesso económico e familiar.

Destarte, conseguimos, no mundo contemporâneo, ter uma maior capacidade de escolha, ser selectivos no tipo de ofertas de emprego que queremos aceitar – assim como os próprios empregadores, que optam por perfis à la carte, incrementando, assim, a mencionada competitividade.

O problema é que, para conhecermos aquilo de que gostamos e o que não (o gosto pelo trabalho é fundamental para a sua boa execução), precisamos de experimentar, ter acesso a várias oportunidades, ver com os próprios olhos e sentir com o próprio corpo o que cada função representa em termos de esforço e prazer. Todavia, esta constante fluidez nas vivências dentro do cosmos laboral não é olhada com bons olhos pelas gerações mais antigas com as quais convivemos numa sociedade.

Os nossos avós, e mesmo os nossos pais, acostumados à imagem de um emprego de anos e anos, nem sempre compreendem que as vontades, os sonhos e as alternativas dos jovens da actualidade sejam tão mutáveis e incertos que isso simbolize várias transições dentro do mercado de trabalho. Por isso, quando tal acontece, é criada uma representação negativa sobre a juventude e o seu espírito resiliente, emergindo o retrato do fracasso da existência.

Só que tentar e sair quando algo não é coerente com as nossas aptidões ou valores não pode ser encarado enquanto fracasso, como se estivéssemos condenados a nada ter: a dedicação na procura por algo melhor tem de ser valorizado pela importância da resistência.

O espírito do ser humano é o da busca eterna por uma melhor qualidade de vida, onde o trabalho faz parte desse mote e está implicado directamente com o modo como nos vemos no presente e no futuro. Desistir pelo conformismo de ter encontrado um labor com más condições deve ser, no máximo, uma sujeição temporária.

E, mesmo que ela não aconteça, a entrada e a saída de empregos são simplesmente as tentativas a serem realizadas, baseadas no real empenho dos jovens em concretizarem os projectos de uma vida, dentro de um quadro esperançoso de maior mobilidade social.

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