Nas últimas semanas o público em geral viu com alguma perplexidade as notícias relativas à perda generalizada do poder de compra e da remuneração salarial dos jovens licenciados em Portugal. Notícias verdadeiramente perturbadoras para todos os jovens portugueses e para as suas famílias que, perante os pesados encargos financeiros levantados pelo ainda presente fantasma da inflação, vêm-se obrigados a planear o futuro.
Se, em 2011, um jovem adulto entre os 25 e os 34 anos, com qualificação ao nível do ensino superior, auferia, em média, um salário 51% superior ao de um jovem com o ensino secundário, em 2022 esse diferencial recuou para apenas 27%, um mínimo histórico. Esta tendência a manter-se significa que num espaço de dez a 15 anos a qualificação auferida por um grau de ensino superior não irá produzir quaisquer diferenças salariais com um jovem que tenha apenas concluído o ensino secundário.
Segundo o estudo “A distribuição dos salários em Portugal no período 2006-2020", que foi agora pré-publicado, os trabalhadores com ensino superior ganhavam, em média, 1.745 euros em 2006 (descontando já a inflação), mas chegaram a 2020 com menos 134 euros em termos reais (isto é, descontando já o efeito da inflação, que foi relativamente baixa neste período). Entre os licenciados, o corte salarial é muito significativo: foi de quase 9%. Estes diplomados ganhavam, em 2020, menos 152 euros do que em 2006, ou seja, 1592 euros.
Outra consequência nefasta desta realidade é a necessidade generalizada da continuação dos estudos dos nossos licenciados, com mestrados e doutoramentos. Algo que assume uma dimensão extremamente preocupante quando vemos os valores esdrúxulos de propinas de segundo ciclo praticados em algumas instituições de Ensino Superior. A disparidade entre os valores de primeiro e segundo ciclos de estudos praticados pela maioria das Universidades portuguesas é notória, chegando a existir casos de mestrados que atingem perto dos 14 mil nos valores globais da propina (como é o caso do Mestrado em Desenvolvimento Internacional e Políticas Públicas na Nova SBE).
Estes valores predatórios são impeditivos para muitas famílias portuguesas, em particular tendo em consideração o contexto socioeconómico em que vivemos. E sem um reforço da dotação orçamental das nossas instituições dificilmente poderemos esperar uma redução generalizada dos mesmos nos próximos tempos. O Ensino Superior é um factor crucial para o desenvolvimento de uma força de trabalho qualificada e especializada. Valorizar o Ensino Superior em Portugal significa investir na formação de profissionais altamente capacitados, capazes de enfrentar os desafios complexos do mercado de trabalho actual.
Alguns mais cínicos ao olharem para este número podem cair na tentação de procurar a solução fácil de reduzir em massa as vagas de acesso ao Ensino Superior em Portugal ou até mesmo reduzir ainda mais o financiamento público das nossas instituições já subfinanciadas. Como se, ao nivelar por baixo, pudéssemos resolver os problemas do país.
Há que fazer uma séria e profunda reflexão sobre o papel do ensino na nossa sociedade. Uma licenciatura, tal como qualquer grau académico, não pode ser apenas um rótulo numa folha de papel chamada currículo. Um curso superior tem de ser um instrumento efectivo para a progressão do projecto de vida do indivíduo. Deve ser um veículo para a emancipação dos jovens e para a concretização dos seus sonhos pessoais e profissionais.
Se não valorizarmos os nossos licenciados, dificilmente poderemos evitar a emigração em massa dos nossos recém-formados. Neste aspecto também é difícil olhar com preocupação quando em 2021 47,6% dos nossos emigrantes tinham concluído uma licenciatura. Ainda mais preocupante quando olhamos para a evolução desta tendência nos últimos tempos, sendo que em 2014 apenas 29% dos nossos emigrantes eram licenciados.
O nosso mercado de trabalho tem de estar capacitado para acolher as elevadas expectativas dos nossos recém-formados. A solução passa impreterivelmente por benefícios salariais, mas não só. Aqui o Estado terá de ter algo a dizer e diversas soluções podem ser implementadas — que podem vir tanto pela via da fiscalidade ou do reforço dos apoios sociais. Aquilo que não podemos fazer é continuar a enfiar a cabeça na areia e fingir que os problemas, por serem difíceis e complexos, não existem.